terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Panis et circensis

Nos tempos em que vigoravam as antigas instituições romanas, com a austeridade e integridade que se deviam somente à tensão das conquistas e da ameaça, não havia jovem ou adulescens que não aspirasse à vida pública e a compor o senado. A administração da res publica era um ideal a seguir. Porém, o bravio sangue romano ardia também pelos seus heróis, seus imperatores, e, consequentemente, dependia de sua integridade. Por isso sucumbiu. Um povo para o qual a política perdeu todo o sentido está pronto para suportar qualquer tirania, desde que se lhe dêem os devidos pão e circo; ou, futebol e cerveja.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Feliz Natal

Um Feliz Natal para todos!!
Os Pedidos para Papai Noel, por Arnaldo Jabor:
Natal, Natal, bimbilham os sinos, sempre quis usar essa frase, pois amanhã, apesar do Pólo Norte derretendo, dos ursos brancos se devorando de fome, Papai Noel vai chegar! Se bem que em Brasília ele já chegou ou Arruda não foi um Papai Noel para seus meninos? Mas o que posso escrever de verdade para o bom velhinho?
Querido Papai Noel,
Por favor, eu sou um bom sujeito.

Dai-me a felicidade de ver um só, basta um parlamentar na cadeia, condenado pelo STF;

Dai-nos a aprovação da lei de execuções penais e um movimento popular pela reforma do judiciário;

Dai-me uma pele de rinoceronte para resistir aos terríveis casos de criancinhas brutalizadas, tantas crianças foram atacadas, Papai Noel. Do João Hélio, passando por Isabela até esse menino das agulhas. Por que, Papai Noel?;

Dai-me a coragem dos canalhas para fazer o bem, em vez das vacilações covardes de muitos homens de bem;

Dai um pouco mais de memória ao povo mas se eu for irresistivelmente atraído pelo mal, diante do sucesso de tantos impunes, dai-me um panetonezinho daqueles do Arrudinha cheio de euros;

Dai-me um terno de teflon igual ao do Sarney onde nada gruda;

Dai-me advogados tão bons como os do Maluf e do Daniel Dantas. Eu quero meias calças grandes, cuecas reforçadas, hábeas corpus preventivos;

Dai-me a capacidade de mentir sem tremores,
Dai-me lágrimas de crocodilo e abraços de tamanduá em inimigos;
Dai-me o tempo e a paciência, que eu conquistarei o esquecimento;

Dai-me a cara-de-pau de tantos impunes vitoriosos, dai-me sorrisos cínicos. Posso precisar, Papai Noel, quem sabe?


Fonte: http://colunas.ig.globo.com/arnaldojabor/2009/12/24/os-pedidos-para-papai-noel/

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Quantas ilhas temos?

festa esquisita
com gente estranha

como todos se parecem de um mesmo lugar. como todos frequentam a mesma loja de uma grife inexistente. E de onde surgem que nunca os vi. Por andamos nós?

Há uma separação de quem pensa, quem produz o pensamento, quem comercializa o pensamento, quem assiste ao pensamento, de quem consome, e? e os outros?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sentimento Insular [Abordagem criativa de "Sentimento dum Ocidental" de Cesário Verde]

Numa rua escura, me perco. Numa rua clara, me encontro. Numa ponte grande, me deixo. Numa noite negra, me escondo. Uma moça branca me estende as mãos. Uma moça preta me oferece o pão. A pensar me pego, olhando às ruas. A sonhar espero evitar as rugas. Sinto-me em profundo isolamento. Sinto-me em gigante envolvimento. Ando pelas praças perscrutando seres que me pareçam iguais. Vejo na paisagem viva uns e outros normais. Normais me parecem à distância, com sua simplicidade e insignificância. Porém, ao formarem o todo; a massa; o povo – vejam só que maravilha! Eis que surge algo novo! Pois já não são mais simples indivíduos o que vejo abismado. São pedaços de um engenho que de perto não se vê formado. Uma ilha à toa, perdida no mar! Onde se acha de fato beleza sem par. Mas de fato a beleza que desejo olhar, não se trata daquela que circunda o mar. É na calçada que demoro meus olhos. Na calçada onde passa o mendigo. Onde dorme o mendigo. Onde come o mendigo. Na calçada fico em transe, dou vez à permutabilidade. Deixo-me macular pela miséria, deixo-me infectar pela sujeira. Para que sinta ao menos uma vez que não sou ilha. Que sou continental. Ocidental. A verdade é que não sei ao certo onde vou parar. Sei que ilha voltarei a me tornar. E nesse ínterim tento sugar alguma essência, e dessa experiência retorno embriagado. E antes que a lucidez se aposse outra vez de minhas carnes e de meu gênio, aproveito para sentir-me imergido nessa massa, nesse povo, nessa ordem. A ordem das coisas que são quando não são sozinhas. A ordem que surge da desordem. É ela quem regula as criaturas provenientes dessa região: a calçada. É esse movimento de conjunto que me faz sentir vontade de participar da vida e ao mesmo tempo me encontrar à margem. Insularizado. Eu não rezo. Não participo de religiões. Entretanto, não desprezo àqueles que vão aos sermões. Vejo nisso uma virtude, uma coisa a se invejar. Deus me guarde, Deus me ajude, pois só sei Nele não acreditar.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Acontecimento

"O SARAU BOCA DE CENA é um evento de integração cultural, criado por Juliana Impaléa e Flávia Tomaz, que busca perceber, promover a interação e divulgar o produto artístico desenvolvido nas diversas áreas de atuação (música, teatro, poesia, dança, artes plásticas e visuais) na UFSC e em Florianópolis."

No último dia 20, o Sarau lançou a sua mais recente Antologia, que possui mais de 40 poemas escritos por poetas da UFSC e de Floripa.
O evento se realizou no Centro de Comunicação e Expressão da UFSC, com muita música, poesia, dança e outras atrações, uma delas, o curta com o título Guiness Records - O maior Ponto de Ônibus do Mundo, de Chico Caprário e Eliézer Kuhn (Grupo Expressão Sarcástica), me chamou a atenção pela sua irreverência. Ele traz aquela ironia que nós, florianopolitanos, estamos acostumados a ouvir e a fazer quando o assunto diz respeito às: "GRANDIOSAS OBRAS" DE FLORIANÓPOLIS.
Confira!

http://www.youtube.com/watch?v=yEL_uyHmFNs


Referências: Sarau Boca de Cena
http://www.saraubocadecena.com/index.html

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Geisy e o vazio

Uma blondie metida em trajes sumários: existe imagem mais desgastada do que essa? Como Deus em outros tempos, ela está em todos os lugares, inclusive nas igrejas, que dirá em universidades de quinta categoria. Reencontrá-la, por isso, deveria provocar tédio ou, antes, aquela olímpica indiferença que, segundo Nelson Rodrigues, o crioulo do Grapete distribuía ao desfile incessante de corpos seminus nas praias cariocas. Daí a surpresa geral diante do agora célebre episódio da Uniban. O que, afinal, motivou a insuspeitada reação dos colegas de Geisy Arruda? Por que hostilizaram aquela que deveria ser vista como a mais banal das aparições?
* * *

Até onde pude acompanhar a repercussão do caso, duas vertentes de explicação prevaleceram. A primeira, capitaneada por especialistas convocados pelos grandes veículos de informação, atribui o ocorrido a personalidades psicopatas e criminogênicas cuja perversidade, em um processo que caberia à psicologia das massas descrever, teria contagiado indivíduos normais e acima de qualquer suspeita. Já a segunda vertente de explicações toma a reação dos alunos da Uniban como sinal de que, entre os jovens, uma virada conservadora se anuncia.

* * *

Nada disso, contudo, me parece convincente. Não digo que essas suposições não tenham lá sua lógica. O raciocínio que as anima faz sentido: se a reação dos alunos foi muito maior do que a esperada, é porque algo igualmente grandioso está por trás dessa reação. De minha parte, prefiro, entretanto, seguir a trilha inversa, tomando o excesso, não como efeito de uma causa igualmente espetacular, mas, antes, como fruto de uma espécie de anti-causa: uma falta, um vazio. Assim, em vez de, por exemplo, considerar que uma inflexão à direita está em curso, eu tenderia a dizer que o referencial da moralidade está irremediavelmente perdido, e o que exaspera os alunos da Uniban é precisamente a impossibilidade de sentir uma repulsa genuína pela figura de Geisy. Trocando em miúdos, a reação daqueles rapazes e moças é, na verdade, uma tentativa inútil e desesperada – por isso, necessariamente excessiva – de recompor um código de conduta e, mais que isso, de experimentar os sentimentos que a adesão orgânica a esse código é capaz de gerar.

* * *

Suspeito, aliás, que essa nostalgia da moralidade perdida explique a própria proposição da hipótese de que uma virada conservadora esteja acontecendo. Não importa que quem a enuncie tome-a como um dado a ser comemorado ou lamentado: os dois lados sonham em voltar a experimentar algo que já não é mais possível experimentar, a saber, a força de um sentimento autêntico de repugnância moral ou, no caso dos revolucionários, um sentimento autêntico de repugnância à repugnância moral (observemos, de resto, que a grandiloqüência da hipótese da virada à direita assim como a paixão com que “conservadores” e “progressistas” discutem o caso Geisy carregam algo da exasperação dos alunos da Uniban).

* * *

O que eu disse em relação à moralidade deve ser estendido a todos os códigos de conduta que definem o campo do que se costuma chamar de normalidade. Talvez seja por isso – isto é, por uma espécie de nostalgia dos padrões perdidos de normalidade – que psiquiatras e criminologistas queiram referir o episódio da Uniban à ação de psicopatas: maneira de devolver o mundo às categorias que, um dia, puderam descrevê-lo, mas que, possivelmente, já não servem mais.

* * *

Penso que Geisy Arruda, mais do que outras mulheres, mais do que outras blondies, consegue encarnar o vazio exasperante que substituiu os códigos de moralidade e normalidade. Esse é, se quiserem, o seu enigmático talento. Esse, aliás, é o talento geral das celebridades contemporâneas. A celebridade, hoje, é uma espécie de nobreza que prescinde de virtudes excepcionais em algum sentido habitual da palavra. Ao contrário, os chamados “famosos” dão-nos a sensação de que estão lá simplesmente por terem sido escolhidos por Deus, sem ter que dar nada em troca. Tudo se passa como se expressassem uma celebridade pura, vinda do fato de que o Outro 0s ama mais do que a nós, e ponto final. Mas não é assim. Essas pessoas, como Geisy, têm, sim, um talento excepcional: esse que, insisto, consiste em encarnar, melhor do que nós, o vazio.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A estética da precariedade

Há poucos dias recebi um marca-página em que figurava um prédio abandonado e cinzento em vertiginosa linha de janelas ao viés do olhar. Na parte de trás estava escrita uma mensagem de apoio à arte feita pela livraria que o confeccionou: o marca-página tinha um propósito estético. Para remarcar minha falta de criatividade, como já dita posts atrás, assinalo outro objeto que não escapou aos olhos de nossa fotógrafa: os muros desenhados e grafitados. Mas não se trata aqui das mensagens pichadas, senão daqueles grafites que se destinam, de alguma maneira, à arte, ou assim o pretendem. Coloco-os lado a lado pois são manifestações do mesmo fenômeno: uma estética da precariedade, ou da efemeridade. Ao reproduzir o prédio em ruínas, ou as cores chocantes e desordenadas aparentadas às placas e aos outdoors, esta estética é a ilustração acabada daquilo que a destrói. Ela afirma as forças que a levam diretamente ao fracasso estético. Movimentos como o dos surrealistas, dadaistas e de seus sectários, os donos dos ismos do século XX, tentaram e tentam evitar este fracasso ao buscar a agressão, ou seja afirmam-no por via apofática. Esta tendência, tanto a da agressão quanto a da reprodução, se encontra também nas ditas instalações, nas grandes estupidificações da arte moderna, que fazem as graças de tantos intelectuais que não sabem outra coisa senão babar. A ironia se torna hiperbólica quando os defensores desta dita arte se colocam contra o tal sistema, e se vêem como revolucionários.
Não é difícil imaginar porque o fascismo não encontrou nenhuma dificuldade em se apropriar dessa chamada arte.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Além trópicos

Aproveitando a discussão sobre muros que a Gis levantou alguns posts atrás, estendo essa questão para tratar de uma outra função a que se prestam os muros – no caso, os muros físicos (e aqui também entram as paredes, que se oferecem aos montes nas ruas).
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Esses e estas são silêncios brancos e vulneráveis. Silêncios prontos para cederem suas superfícies a vozes modeladas com tinta ou spray. Estas, por sua vez, buscam ser ouvidas pelos olhos do cidadão que passa, esteja ele atento ou não. Daí que encontramos, pelas ruas de nossa cidade, ocupando os muros e paredes de propriedade particular ou de ninguém, imagens criativas em graffitti, mensagens anônimas berradas em letras garrafais, insultos de mau gosto, e até mesmo gritos de cunho político e social.
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É nestes últimos que quero focar aqui. Alguns deles têm me chamado curiosamente a atenção, estancados como que com braços cruzados por onde passo. Entre as palavras registradas nos muros, em lugares prováveis e improváveis, há desde manifestos a questões de importância local, como “PASSE LIVRE” ou “2,80 NÃO” (referentes à tarifa do transporte coletivo da cidade - considerada a mais cara do Brasil), a desabafos de ordem global. Estes são interessantes. Muitos, com tinta fresca, tratam de questões políticas internacionais, como “HONDURAS RESISTE”, “HONDURAS SIM, GOLPE NÃO” ou “FORA BASES IANQUES NA COLÔMBIA”. Outros, já com a tinta a descascar e com a voz rouca, proclamam “VIVA CUBA” ou “FORA BUSH” (este último, por fim, perdeu a voz; mas ainda não encontrei nenhum “VIVA/FORA OBAMA”...). Me pergunto quem é que vem, na calada da noite, espalhar estes gritos surdos pelas ruas. Me pergunto também se estes conseguem encontrar, de fato, algum destino. Embora sejam indícios de que há vida lá fora sendo notada aqui dentro, parecem vozes mirabolantes, no contexto dessa ilha. Vozes destoantes. Como um instrumento encostado que a banda nem pensa em tocar...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Acontecimentos [2]


Africanidades na Ilha

Já está circulando a programação do "II Diálogos Brasil África" que acontecerá durante a próxima semana no Largo da Alfândega - Centro de Florianópolis em comemoração ao dia da Consciência Negra.
Estão previstas para o evento mostras de dança, artes plásticas, artesanato, gastronomia, exposição de trabalhos desenvolvidos por ONG's e outras entidades sociais.

Queres saber mais sobre isso, quiridu?

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Muros


No início desta semana fiz algo que, por motivos diversos, não estou mais acostumada a fazer: parar para assistir TV. Relutante, eu parei. Assisti a uma notícia sobre a homenagem feita em comemoração aos 20 anos da queda do Muro de Berlim.
Em frente à tela vi uma cena onde estavam várias pessoas, em Berlim, prestes a derrubar peças de dominó gigantes e coloridas que estavam enfileiradas. As peças caíram uma a uma para simbolizar a queda do Muro.
O que mais me chamou a atenção foi o fato daquelas pessoas estarem lá reunidas, dispostas à prestar uma bonita e simbólica homenagem. Elas comemoravam um fato histórico, mais do que isso, comemoravam um resgate da liberdade, da vida e do direito de ir e vir

Parei mais uma vez e me questionei:
Até que ponto reformulamos nossos pensamentos e atos diante da destruição de algo físico?
O que um muro representa e quais são as suas variações?
Meu pensamento parou na Ilha. Parou em nós.

Florianópolis tem muitos muros.
Não com as mesmas proporções políticas, físicas e psicológicas agregadas ao Muro de Berlim.
Mas aqui também temos muros que podem ser chamados de muros políticos, físicos e psicológicos que representam nossa cultura, nosso modo de ser, agir e pensar.
Há diversos muros que são construídos e reconstruídos a todo momento.
Muros físicos para tentarmos nos proteger da crescente violência da cidade,
Muros etnocêntricos que impossibilitam o conhecimento sobre o outro que nos visita ou vem para ficar,
Muros psicológicos para a preservação da nossa "identidade",
Muros políticos que nos impedem de saber o que estão planejando para nós, cidadãos de Florianópolis.

Há tantos outros muros...
E há mais questionamentos.

Criamos muros com intuito de derrubá-los depois ou queremos apenas delimitar nosso território?
Quanto um muro pode nos proteger e nos aprisionar?
E ainda, o que podemos chamar de nosso?

As pessoas continuam chegando à Ilha. Umas retornarão para as suas cidades, outras permanecerão aqui.
As pessoas não deixarão de ir e vir, os muros continuarão sendo construídos, destruídos e reconstruídos.
A Ilha no futuro poderá ser cercada por muros do movimento "Fora Haole" ou, talvez, quem sabe, ela terá mais pontes e o padrão de Jurerê Internacional.

Os muros não podem nos impedir de ver as pontes.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Acontecimentos

filme Sistema de Animação seguido de um especialíssimo show instrumental do Toucinho Trio

quarta-feira, 11 de novembro
gratuito
SESC Florianópolis
Trav. Siryaco Atherino, 100 - Prainha (48) 3229-2200







Elomar e Camerata em canções Menestrelescas, Árias e Antífonas

sexta-feira, 13 de novembro
R$20 inteira, R$10 meia
Teatro Álvaro de Carvalho
Rua Marechal Guilherme, 26 - Centro.




sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Réplica – a Antônio Cândido

Confundir cultura e estética com sociologia é moeda corrente, principalmente depois que os entendidos do materialismo histórico creram que um etrusco do século VII a.C. e um industrial do século XIX tivessem as mesmas motivações. E o paroxismo ocorre quando se trata de cultura popular. Aí, seus cultores – e agucemos os ouvidos quando se fala de cultores de alguma coisa – alardeiam a velha cantilena do direito inalienável que o ser humano tem de se expressar, em todos os níveis. Concordo que todos temos o direito da expressão. No entanto, expressão não é, por si só, arte. Para dirimir a confusão que o conceito enseja, volvemos nosso olhar ao sol helênico e nos lembremos de que, para ouvidos gregos, não existiam diferenças entre arte e técnica. Eis um começo para interpretar a arte, e os gregos, creio, sabiam do que se tratava. Não existe arte sem técnica, mas técnica somente também não é arte. A discussão que Adorno, no texto “Sobre a música popular”, propõe não é, propriamente, uma anteposição de dois níveis de cultura, mas como um determinado nível, como o entende Antônio Cândido, o popular, se defronta com a tradição. E antes que vós repliqueis com confundir tradição com conservadorismo, entendo tradição como o legado que nos deixaram outras idades: aquilo que de mais alto o gênio humano produziu. Ora, nada é tão inalienável a todo e qualquer ser humano quanto a tradição: este é o direito real. Portanto, para Antônio Cândido, as massas devem permanecer no seu nível de cultura, ou seja, que as massas fiquem com o seu funk e nunca saibam o que é Homero. Afinal, não estamos em uma democracia?

Humor involuntário na ilha

O Brasil é um país de grandes humoristas. Não falo dos gênios do Zorra Total nem de Ary Toledo. Os gênios brasileiros fazem humor sem querer, como dizia Golias Miranda. Aqueles que aprenderam esta valiosa lição deleitam-se na mediocridade diária do telejornal ou das propagandas eleitorais (especialmente dos candidatos a vereador). Neste tipo tão especial de humor, Florianópolis é uma mina de ouro. No DC do dia 3, um de nossos grandes mestres, Luiz Carlos Prates, soltou uma de suas "rápidas e rasteiras": "Aí está a raiz do problema, mães e pais que não querem admitir que são frouxos, que não controlam, não educam, não impõem limites, não restringem vontades, nada. Soltam os filhos, dão-lhes rédeas soltas. Depos choram, rogam pragas e ficam com cara de cãozinho que lambeu graxa...".
Genial. Infelizmente, o mal sempre é lembrado. O bem é tão difícil de ser reconhecido.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Deu(-se mal) no DC

Há algo pior do que a erudição vazia: é a falsa erudição vazia. Em artigo publicado no DC de domingo, a propósito de escrever mais um capítulo de seu interminável livro de ressentimentos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quis posar de leitor assíduo de Shakespeare. Deu-se mal: atribuiu a Hamlet uma frase que, na verdade, pertence a Polonius ("Há método nessa loucura"). O engano, se não é sinal de ignorância, pode ser visto como um muito freudiano ato falho de alguém que ainda pensa ser príncipe quando não passa de um conselheiro que, justamente por falar demais, é cada vez menos ouvido.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

a ilha em ato sonâmbulo


















enquanto
minhas
palavras
dormem...

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Isn't it ironic... don't you think?

Encontrei um jornal jogado no PET e resolvi abrí-lo na coluna de um dos mais famosos jornalistas da ilha. Deparei-me com uma foto(a qual já haviam me mostrado) de uma mulher,obviamente trajando pouca roupa e uma camisa de futebol, e ao lado o seguinte comentário feito pelo autor da coluna: " M.V. garante que vai dar tudo o que tem para ver seu time subir." Aceitável, vindo dele. Mas eis que leio mais adiante e encontro uma breve crítica moralista sobre um site de relacionamento dinamarquês que só aceita usuários desde que eles sejam bonitos.Os próprios usuários decidem quem pode fazer parte ou não. " Mas será que é só isso? E o charme? E a cultura? E o bom humor?" indaga o jornalista.
Eu não vou falar aqui sobre machismo e outros clichês. Mas o pior é que a moça ainda está de costas na foto. Talvez ele tenha dado um bom exemplo de coerência aceitando a foto da moça em sua coluna, já que como ela está de costas não sabemos se ela é bonita ou não.
Chega de falar, afinal, não se ensinam coisas novas a um macaco velho.
Vou deixar o final para o Dr. Gori, ele sempre sabe qual é a melhor solução.
...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Desabafo

Nos jornais, as notícias de sempre: os problemas do transporte público, o caos que as obras mal planejadas causam ao trânsito, os roubos, os assassinatos na capital...
Divulgar novos espaços de cultura e lazer, para quê? A população não está interessada. É preciso ter assuntos polêmicos para ter o que falar no cabeleireiro, no trabalho, durante o almoço, no supermercado...
A construção de um memorial para reavivar obras de um poeta, brasileiro, negro, não causa polêmica, nem interesse, nem questionamentos.
É preciso sensacionalismo para exercitar a língua e atrofiar a mente!
João da Cruz e Sousa, o "seu valor só foi reconhecido postumamente", é o que dizem. No entanto, me questiono: Reconhecido por quem? Para muitos ele ainda é um desconhecido e dentre esses muitos estão seus conterrâneos.
O poeta está entre os maiores do Simbolismo universal porque Roger Bastide, sociólogo francês, um dos pioneiro dos estudos sobre os negros brasileiros (falo negros brasileiros porque soa melhor, para mim, do que afrodescendente, mas isso já é assunto pra outro post). Roger Bastide também foi professor de sociologia da Universidade de São Paulo entre os anos de 1938 e 1954. Bastide, de fato, reconheceu Cruz e Sousa, os brasileiros, infelizmente, não tiveram a mesma capacidade.
Há 30 anos, em Florianópolis, tentaram prestar uma primeira homenagem a Cruz e Sousa, deram ao antigo Palácio do Governo o seu nome: Palácio Cruz e Sousa, tombado como patrimônio histórico em 1984. Somente há 2 anos, os restos mortais do poeta, que estavam no Rio de Janeiro, chegaram aqui na Ilha. Aos seus 110 anos de morte, completos no ano passado, Cruz e Sousa deveria ter recebido de presente um memorial, no entanto, este só começou a ser construído na última segunda-feira, 26 de outubro.
No espaço, que será construído no terreno do Palácio Cruz e Sousa, deverá ter um local para abrigar a urna mortuária do poeta simbolista, junto a ela também terá uma sala de leitura, uma biblioteca de autores catarinenses e uma cafeteria, onde poderão acontecer lançamentos e saraus literários.
Conforme diz a FCC, "a intenção é que a obra seja um espaço para reverenciar a grandeza do poeta e que sirva, também, como espaço de lazer", mas se ficarmos esperando que os veículos de comunicação sensacionalistas nos avisem sobre a inauguração do espaço ou esperando que algumas pessoas se conscientizem sobre o valor literário da poesia simbolista de Cruz e Sousa e tenham, realmente, algum interesse pela cultura local em geral, iremos "mofar com a pomba na balaia".

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Samba como arte trágica

Edison Carneiro, um dos pioneiros no estudo da cultura afrobrasileira, escreveu que “o negro e o mulato – os homens abandonados dos morros, das favelas, dos bairros inasalubres da cidade – exprimiram seu sofrimento e a sua desesperança, mas também a sua vontade de viver, na batucada, no maxixe, no choro e no samba”. Entenda-se: não se trata de dizer que esse cancioneiro ora enfatiza a dor, ora a alegria. A rigor, ao menos nas manifestações mais notáveis da musicalidade afrodescendente, o que se vê é, antes, uma enigmática justaposição de afetos contraditórios, à maneira do que sucede às tragédias gregas na visão de Nietzsche.
* * *
Monarco, o chefão da Velha Guarda da Portela, é hoje, no samba, o grande representante da arte de fazer do gozo, não o oposto do sofrimento, mas um efeito de seu atravessamento. Basta ouvir "Coração em desalinho" para que se tenha uma idéia do que estou dizendo.
* * *
Monarco esteve em Floripa no findi. Cantou na sede da Embaixada Copalorde. Azar de quem não estava lá. O cara sabe tudo. Repertório perfeito, voz grave, precisa, sem floreios: é o Sinatra do samba.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Troca de nacionalidade, uma propaganda impossível - outras ET Ceteras...

Desculpe amigo BR, mas precisa cuidar de sua miopia.
Já me surpreendi algumas vezes com o cartaz que agora descreves. Mas não é o governo federal que vos fala. Esse é apenas mais um engôdo da ferocidade da propaganda em prol da venda de abstrações e ideias distorcidas de outras miopias. O comércio por trás daquele cartaz é do serviço de pesquisa e do conhecimento das portas de fundo da burocracia. Vende a busca por um vínculo que até tu desconhece, ou remotamente conhece, buscam um qualquer parente, um tataravô não nomeado e carimbam-te como descendente. Agora pagarás carimbos mil e a pátria amada poderá não se chamar mais Brasil. Não se tornarás português mas terá o benefício da fila (a outra com pouca gente e mais atendentes) quando deixares a terra adorada. Também terás o almejado livre trânsito em um espaço em que as dimensões não vão além da América do Sul, porém com uma mãe de herança mais gorda, dispondo de uma gentileza amplamente reconhecida no imaginário do imigrante do nosso século.
Queremos, ou quereis vós, ou querem eles, ou... sei, também quis, quisera um dia eu.. como muitos ainda querem forrar as algibeiras de gordas notas que multiplicar-se-ão por 3 ao retorno do brasileiro (que exacerbará sua brasilidade enquanto estiver fora) à sua terra amada ao longe. Sim, um dia foi ao contrário. E um dia Brasil olhou mais para Portugal e, acredito poder dizer em um exemplo simples de quem entende mais quem em seu falar e quem conhece mais quem em seus autores, agora Portugal olha mais para o Brasil, do que o Brasil para o luso retângulo, nem que seja nos shows a céu aberto, ou apenas na tv em qualquer um dos constantes horários de novela brasileira.
Ah Senhor! Quantos Senhores há no Brasil?. E quando as senhoras deixaram de esconder seus filhos entre as saias que não mais usam para que esses filhos amadureçam a reflexão de sua história? Quando nos curaremos dos traumas de infância e começaremos a nos preocupar com as dores do agora? Quando afirmaremos nossa diferença por nossa convicção fundamentada, ao invés de demonstrarmos a febrilidade adolescente?
Não BR, não falo de ti. Estavas apenas míope. Falo de outras moléstias (em que acredito notar-me enfermas uns dias, quiça não muitos). Quem sabe quantas outras há? Tantas quanto os Senhores?

Réplica - a Adorno

Cultura não é coisa para ociosos, mas deixemos que o diálogo entre Antônio Cândido e Adorno dê conta de mais alguns elementos levantados há poucas postagens:

“A luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da Cultura. A distinção entre Cultura Popular e Cultura Erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de vista cultural, a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito aos direitos humanos e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”.

Afora isso, tenho a acrescentar que o vale-cultura tem pouquíssimo -- nada, de fato -- a ver com qualquer suspeita de que o trabalhador não saiba gastar seu dinheiro: ele nos diz mais é sobre o fato de que não cabe à política definir qual tipo de produção é cultura e deve, portanto, ser subsidiada pelo governo. O vale-cultura restitui ao povo seu direito de escolha sobre o investimento cultural, antes de o tomar.

Opa, a discussão neste espaço requer reflexão sobre a ervilha. Pois bem, nesta ilha um número considerável de suas poucas produções culturais são disponibilizadas ao público gratuitamente ou a preços bastante acessíveis -- a exemplo da última temporada de peças gratuitas no Teatro da UFSC ou das exposições a 2 reais no Victor Meirelles. Isso não garante público, nem o vale-cultura o garantirá. O vale-cultura só garantirá o direito e, com o tempo, de repente, o público não despossuído de seu direito inalienável poderá vir a fazer questão de fazer uso dele.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Et cetera...

Há poucos dias vi um cartaz por que o governo federal - se as armas da República não se deviam à arte de minha miopia - me incitava a pedir nacionalidade portuguesa e, consequentemente, o paraíso do livre trânsito pelas terras unidas de europa.
Ora, a idealização do velho mundo não consta de nenhuma nova e nós brasileiros não deixamos o stigma - ou seria antes o signo de nossa raça? - daquele que vinha a estas terras para voltar com as algibeiras cheias à sua pátria. Claro, sem se esquecer de antes bater os sapatos, ou simplesmente lançá-los às graças de Poseídon. Estivera aquela placa portanto a evidenciar nossa falta de lugar?
E que somos afinal, qual é o nosso lugar? O negro ao qual se impingiu a tirânica unidade da cor; o autóctone extirpado à terra, ao se chamar "índio", ou mesmo "autóctone"; os degredados, bruxas e ladrões, a escória, a face que o europeu quis aqui ocultar; os alemães, os italianos, os açorianos, os portugueses, aqueles ditos colonos fascinados pela propaganda mosaica de um Brasil de séculos atrás; a terra a identificar. Ou somos aqueles aos quais se destina o amparo daquela que um dia deu nome a esta ilha, Nossa Senhora do Desterro?
A busca por uma identidade nacional tem no mínimo dois séculos; ou parece que mesmo antes aquele que pisava nessas terras, já vinha porque se perdera. Desde aqueles romances e poemas, aqueles românticos que viam, ou queriam ver o paraiso perdido, ou destruido, ao fascimo de Vargas e ao slogan, aquele "Um país de todos", a soar, agradável e lisonjeiro, como a fístula de Pan, para que não se notem as pernas de bode, a pergunta é: que identidade e para quê? Não existe identidade do cisma senão de seu próprio corte. E se o desterro não deixou rastro algum?

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Privilégio





Desisti de querer mudar-me para perto da universidade. Já não anseio voltar pra casa caminhando (ou quem sabe, pedalando) ao fim do dia ou me encontrar disponível para qualquer evento manifestado em última hora nos arredores da trindade. Dei-me conta de que me privaria da parte mais prazerosa da minha rotina de moradora distante, se assim o fizesse.
Apresento-vos meu privilégio.
Morar na parte continental da cidade (porque Florianópolis não é feita só de ilha – que isso já sirva ao leitor desavisado) tem suas vantagens. A minha é poder atravessar a ponte todos os dias e assim observar a rica paisagem transitória do adentrar a ilha, na ida, e do afastar-se dela, na volta. Junta-se a essa travessia todo o resto do trajeto que observo (agora já inserida na ilha) via beira mar ou baía sul para chegar à universidade. Por mais que eu trafegue, rotineiramente, pelos mesmos lugares, a visão que tenho através da janela hoje é sempre diferente da que tive ontem. É essa a riqueza da qual não abro mão. A vida que não descuido a mover-se lá fora me fascina. Se trago um livro para ocupar o tempo (o motorista que se encarregue do resto), divido meu olhar entre as linhas fixas e simétricas do papel e a paisagem corrente e improvisada da janela. Cada dia é singular. As nuvens se refletem no mar de maneira diferente, os passantes nas ruas não são sempre os mesmos, os outdoors se modificam, os moradores embaixo da ponte se revezam (simpatizei com o inquilino da vez, que entre seus pertences, conserva um robusto urso panda de pelúcia posto a olhar, incessantemente, a paisagem entre pontes), as pequenas moradas que contornam os morros parecem cada vez mais numerosas, os casais à beira mar brigam e fazem as pazes, as árvores no local mudam de humor com freqüência, o mar é vasto e sempre desconhecido, e uma centena de habitantes insulares que percebo a cada ida ignora meus olhares. Até o trânsito (cada vez mais caótico nessa ilhota) e os semáforos podem ser positivos se encarados nesse contexto: sobra-me mais tempo para a contemplação. Penso que não abdicaria tão fácil dessa minha excursão diária. Penso também que testemunhar toda essa multiplicidade, com seus feitos, enfeites e defeitos, e poder encontrar-me dentro dela, é atividade sublime que se faz necessária. Somo dias, muitos dias, percorrendo o mesmo trajeto – e não canso nunca.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O vale-cultura e o salário dos professores.

O governo quer instituir um vale-cultura a ser adicionado aos parcos vencimentos das parcelas menos favorecidas da população. Seriam R$50,00 para os trabalhadores ativos e R$30,00 para os aposentados, mesmo diante do fato que os aposentados têm muito mais tempo livre. Bem, a idéia não é de todo mal, eu acho que deveriam dar todo o salário em vales, vale-tomate, vale-ph, vale-sabonete, afinal os pobres não sabem mesmo como gastar seu dinheiro. Outra questão é saber se revistas em quadrinhos, CDs do Calypso e DVDs de filme pornô são considerados bem culturais, Adorno deve estar se revolvendo na cova.

Enquanto isso na ilha subtropical é lançado um edital para contratação de professores temporários pouco tempo depois do edital para funcionários efetivos. Ou seja, a prefeitura tem certeza que não vai cobrir todas as vagas com o concurso, por não abrir vagas suficientes e por pagar apenas R$1800,00 para um doutor, e que vai precisar de genéricos pela metade do preço.

No país de muita saúva e pouca saúde nada melhor que educar mal e depois enfiar um vale-cultura, Paulo Coelho que o diga.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

outras sanitas

Gastronomia e banheiros dizem muito sobre a cultura de um povo.

Continuando a pensar o vaso sanitário levantarei uma reflexão de terceiro que anda se prolongando no meu cotidiano:

"os avisos de banheiro dizem muito sobre os costumes de um local"

Essa frase carregada de reticências veio na volta da visita a uma sanita de bar.

Na parede desse bar estava, " não mije no chão".

- Nunca estive em um lugar em que as pessoas precisassem ser avisadas, frente a sanita, que não deveriam urinar no chão


O que penso ser uma constatação parcialmente irreal. Pois ao visitar seu habitat cultural deparei-me com a única louça que conheci projetada para que urinassem no chão do banheiro público.

(na verdade é um banheiro indiano, no meio de uma praia portuguesa)

algo assim, só que bonito. *não é a foto do local descrito


Enfim, lá não havia avisos como "não mije nas paredes" ou "mije no chão" (quem sabe até um "aproveite!")

Em outro choque cultural, uma viagem de grupo para um país hermano, minha hospedagem ostentava avisos no banheiro quase redecorando-o: "não jogue nenhum papel na sanita" e "antes de sair verifique se a água do reservatório não continua vazando, evite desperdício".
O detalhe é que o local estava quase sempre inundado e isso não parecia afetar o staff.

Rememorando a luta por banheiros nas caminhadas por Montevideo comentado um post antes, registro que a ida a um museu é sempre uma felicidade para viajantes-estudantes-visitantes de pontos culturais. Em geral são os banheiros mais bem cuidados, espaçosos e limpos. No que me surpreendi à manifestação do grupo de seu estranhamento:

- Não tem lixeiro, não me sinto mal de jogar papel no vaso.

E por que se sente mal, se este é um procedimento normal no local? É contra os princípios da vida? Certamente é contra os ensinamentos do dia corrente.

Retornando para casa, me sinto tranquila pelos avisos que não tenho em meu próprio trono, sempre acompanhado de boa literatura.

Eis que ao voltar então minhas atividades universitárias, procuro um cubículo sanitário na faculdade e ao entrar encontra a sanita com a tampa baixa e uma pegada marcada em seu topo.
Recordo-me, imediatamente, de um episódio constrangedor e cômico ao mesmo tempo. No começo de uma noite de bar vou ao banheiro, refaço o ambiente: ruídos ao fundo, desconforto habitual, preparo ritual. Barulho incomum, passos e alguém pula, no que compreendo ser o pulo sobre a sanita ao lado para debruçar-se na divisória e invadir a privacidade da evacuação. Grita "mulheres" e sai correndo.

Quando pensei escrever sobre tais reflexões imaginei que ainda teríamos que afixar nas paredes dos banheiros "proibido subir na sanita", depois me dei conta de que já tinha lido este aviso e mais, buscando ilustração para essas palavras, descobri até mesmo incentivos para o ato de espiar.


quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A anistia e o vaso sanitário.

Abaixo do trópico, numa posição sub-subtropical, existe um povo que poderia ser resumido em tomar mate e caminhar ao sol. Mais precisamente, porém sem o mesmo rigor, em caminhar mate tomando sol. O que nos leva a refletir sobre onde despejam a água caliente que se compra em qualquer esquina(sim! os bares vendem água aquecida) e que tomam incessantemente numa infusão diurética. O acesso aos banheiros é, incrivelmente, difícil.

Existem outros problemas além da questão banheirífera, a taxa de desemprego é altíssima, existem mais casas de câmbio do que indústrias (a erva-mate vem do Brasil), e os caudilhos de cabelo penteado no estilo de galãs de novela mexicana e com sobrenomes que temperam a colonização espanhola com algo britânico continuam tentando o poder. Na esfera cultural os uruguaios ressaltam como seus o tango e o carnaval, infelizmente, identificados internacionalmente com os vizinhos grandes Argentina e Brasil.

Apesar do clima decadente, ou animados por ele, os uruguaios estão prestes a tomar uma decisão que pode ser exemplar para os países vizinhos. Votarão no mesmo dia da eleição presidencial a derrubada da lei de caducidad, ou seja, vão anular a anistia e julgar seus militares raivosos. A outra lição que podemos tirar do Uruguai è sanitária e serve para Florianópolis, se queremos uma cidade turística podemos começar construindo banheiros.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Water Falls

Imaginem uma ilha em que a grande celebridade é um sujeito que, na infância, foi o astro de anúncio de sardinhas (eu quase ia dizendo tainhas). Imaginem que essa ilha pacata e provinciana vira um ponto turístico graças a insuspeitadas tempestades de hambúrgueres e outras iguarias. Assim é Swallow Falls, cidade ficctícia onde se passa Tá chovendo hambúrguer, nova produção da Disney Pixar. Assim é Floripa, salvo pelo fato de que aqui é água mesmo o que desaba sobre nós.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Fado Subtropical

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Esses versos servem de refrão para a música Fado Tropical, parte da trilha sonora da peça Calabar: o elogio da traição, escrita por Chico Buarque e Ruy Guerra. A peça é ambientada por volta de 1632, época do Brasil colonial.

Quero ler a atual Florianópolis com a incidência desses versos, ou com a incidência do que eles sugerem. Justifica minha intenção a similaridade situacional: na época retratada na música de Chico, ainda não havia a noção de povo brasileiro, bem como agora não há a noção de povo florianopolitano. Ainda assim havia um projeto de nação, assim como agora há um projeto de cidade, ou melhor, um conjunto de intenções, o que se idealiza para o local que se habita. Em ambos os casos, como é bem retratado pela canção, essa situação de pertencer e amar uma terra sem contudo identificar-se com ela gera experiências esquizofrênicas.

Cresce a heterogeneidade da população que aqui reside e os “nativos” (não os tupi-guaranis, os açorianos, é claro) são cada vez mais marginalizados, forçados a permanecerem em seus redutos nas freguesias da ilha, vez por outra visitados, expostos como exemplares de nativos, como excertos da original , da autêntica Florianópolis.

Concentram-se na ilha desejos que são, por fim, esquizofrênicos: o de que ela seja reduto paradisíaco, refúgio da civilização, mas que também abrigue as necessidades múltiplas, metropolitanas, cosmopolitas dos que aqui aportam. Assim, o movimento que vem de variados centros para estas margens busca quase que um refúgio rural—e encontra. Mas a placa estrangeira buzina para a demora na partida ao sinal verde e, honestamente, é um absurdo não haver sequer um hortifruti 24hs. A cidade está no século passado. E a gente está de acordo.

domingo, 11 de outubro de 2009

As nossas pontes

Desenho bizarro de (três) pontes. Duas completamente cheias pelos passageiros, reflexos. Outra distante, habitada somente pelas luzes. Inútil, fim em si mesmo. A distinção entre o locucionário e o ilocucionário. O abismo de mar e esgoto vagamente (de)limita a diferença. Algum dia, quem sabe, um raio branco cairá do alto do céu, aniquilando com esta nossa comédia.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Oscilações

Nunca fui boa em questões que envolvem a singularidade do dizer. Aliás, nunca fui singular em nada, nem mesmo nas cidades que escolhi pra viver. Passo mais tempo oscilando entre uma e outra do que em uma especificamente. E durante esse tempo, assumo uma postura um tanto quanto flanêur que sente a necessidade de estar sempre fora absorvendo a identidade das ruas. As crenças, humores, posições e (dis)sabores atravessam a cidade e pairam diante de mim. Um pouco da doce e tranquila terra natal e um pouco da nova terra. Vivo assim! Cercada entre fronteiras que não representam o fim,e sim o começo de algo que está por vir.

(Tr)Ilhas

Faz parte do dia-a-dia de todos que moram aqui perambular pela Florianópolis urbana, cinzenta. Cinzenta do asfalto e da fumaça dos veículos congestionados numa “geral” por aí. Então, por quê não se aventurar, vez ou outra, por caminhos onde o cinza dá lugar ao verde? Aquele verde que vemos nos morros que permeiam a vista da cidade, que parecem tão distantes da nossa realidade “concreta”. Caminhos verdes que não te levam a lugar específico algum, apenas trilham entre as árvores para chegar a um lugar com mais árvores.

Conhecer essa Florianópolis verdejante servirá de alívio para essa realidade constituída por um crescente amontoado de prédios. Então, aproveite com moderação, mas não demore; pois é por tempo (i)limitado.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Enquanto isso...

Mais um início de semana com chuva caracterizando o clima primaveril na Ilha da Magia. Nossa, quanta chuva e frio! Começo a sentir falta dos outros retratos dessa estação: as flores, os cantos dos pássaros, a temperatura amena, no entanto, o que vejo com maior frequência é a fila de carros se amontoando na lentidão do tráfego em principais avenidas da cidade e nas pontes que ligam a Ilha ao Continente.
Mas é preciso seguir, porque as pessoas querem chegar.
Enquanto isso...
Na praça XV, a velha figueira, apoiada sobre suportes metálicos, continua frondosa oferecendo sua sombra aos passantes e recebendo casais de namorados, aposentados despreocupados, turistas encantados.
Em um bairro da cidade um shopping é assaltado, alguém perde o ônibus, a criança é deixada pela mãe na creche, a moça vai de bicicleta para a faculdade.
Todos continuam indo porque precisam chegar.
Enquanto isso...
Os Guarapuvus florescem colorindo em tons de amarelo e rosa a mata Atlântica e as Laelias Purpuratas desabrocham esplêndidas no interior da Ilha.
Mais um dia se esvai e a pesca não está boa para João, Maria trabalha para aumentar a sua produção de renda, um mendigo come o último pão amanhecido e mais um cãozinho abandonado é acolhido por um passante solitário.
Eles acreditam que vão chegar.
Enquanto isso...
O Martim-Pescador-Verde dá um mergulho profundo na Lagoa da Conceição e captura a sua última refeição do dia.
Já é noite na Grande Florianópolis. Todos estão cansados, um repouso é necessário para recuperar as energias e encarar mais uma semana chuvosa com forças para que todos possam, um dia, chegar.
Chegar...
Chegar aonde?

sábado, 3 de outubro de 2009

Sotaque

Delimitei meu espaço
Mantendo minha língua intacta
Derramei sobre o outro
Minhas expressões idiomáticas
Como que para afirmar uma identidade
Como que para resguardar uma origem
Me agarro a sons, sentidos, signos
Demarco um território
Ao menos linguístico
E na fala me reconheces
Natural de Florianópolis


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Transporte coletivo

Tenho simpatia por essas pequenas coincidências ingênuas do dia-a-dia. Um sair da aula de francês, passar na sala costumeira e chegar ao ponto de ônibus 5 minutos mais tarde. Um pegar o ônibus do trajeto mais longo só porque ele já está ali parado, com as portas abertas e prestes a sair. Um sentar na primeira poltrona, para esticar as pernas e observar a paisagem já tão familiar correr às pressas. Um pensar breve em planos, projetos, viagens... Um pensar em ti, enquanto o ônibus percorre a rua em que costumas estar. Um lembrar que você talvez esteja passando por ali àquela hora e que eu talvez o veja por alguns segundos pela janela. Um olhar pra minha diagonal e então ver-te, não com muita surpresa, parado ali, passando pela catraca, tendo recém subido no ônibus. Naquele mesmo ônibus que eu. Naquele mesmo momento em que eu. Um esperar que você me veja. Um conseguir e você sentado na poltrona atrás da minha. Um conversar, contar as novidades, deixar de lado os encontros e desencontros anteriores. E então um desvio de trajeto, um cemitério e o ônibus quebrado. Um ouvir o cobrador dizer (a nós dois e ao outro passageiro do fundo) que foi a água que esquentou, mas que o motorista já vai trazer outra; que não há problemas. E um ouvir você comentar “Mas assim, nesse frio?”. Um esperar que o motorista retorne, mas sem muita ansiedade, pela vontade de desfrutar do acaso de te ter por mais tempo. Um conversar mais um pouco até que o motorista enfim retorna e o ônibus continua seu trajeto, agora quase completo. Um chegar ao terminal, levantar-se, sair do ônibus. Um leve despedir-se e os caminhos separados. Por fim um sentar só no próximo ônibus, na janela que dá para o mar, e um pensar: Que doce acaso!

Florianópolis é assim: de tão pequenina como ervilha verde, os caminhos se transportam e se cruzam em noites quaisquer.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Indefinições

Definições são sempre abismos, ou melhor, abismais. Ao dizer que esta cidade é uma ilha, lhe imputamos um signo, que tem uma definição. O signo aponta para um lugar. A construção do signo é a ilha e a ilha é Florianópolis, logo, a cidade é um signo. Um signo existe para algo, ou melhor, alguém – já que não sabemos se os outros animais, além de nós, homines sapientes, significam – que lhe dá sentido ou expressão, ou então, o constrói. Estamos, portanto, em um grande signo perdido no meio do mar. O que isto por fim significa? Que o único sentido possível é o anteparo insignificante do signo.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Exilha

Eu deveria ser preso por falsidade ideológica. É que, em minha carteira de identidade, está escrito que sou paulistano, o que eu e meu psicanalista sabemos ser deslavada mentira. São Paulo – ou ao menos a parte realmente conhecida e valorizada da cidade – era uma figura longínqua, cujo skyline eu via do ponto mais alto da rua em que morava, na Vila Gumercindo. Não, eu não nasci em São Paulo, mas na Vila Gumercindo.
* * *
Ao contrário do que informam meus biógrafos oficiais, tampouco vivi a segunda metade da minha infância e a adolescência no Rio de Janeiro. Não que, nessa época, à semelhança do que acontecera em São Paulo, eu tenha residido em algum subúrbio provinciano, irremediavelmente distante das paisagens de cartão-postal da Cidade Maravilhosa. Pelo contrário: nosso apartamento ficava no Leblon, no coração da Zona Sul da cidade. O problema é que os valores – e sobretudo a moralidade estrita e sufocante – da Vila Gumercindo continuaram a arder no meu peito. Minha alma nunca pertenceu ao Rio. Meu corpo, muito menos.
* * *
Foi a impossibilidade de conviver com essa tensão permanente entre a Vila Gumercindo e o Leblon que me fez procurar abrigo nesta Ilha. O que eu buscava, hoje sei, era a hiperprovíncia: pedacinho de terra perdido no mar. O que eu buscava era uma espécie de Vila Gumercindo sem a imagem ameaçadora do skyline de São Paulo no horizonte. Ledo engano. É verdade que Floripa é, como eu desejava, mais conservadora do que a Vila Gumercindo. Mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, é mais fashion do que o Leblon: indecidivelmente pré- e pós-moderna. Ai de mim.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Inauguração

Fiquei encarregada por mim mesma, e depois ganhei o aceite do grupo, de começar o que se espera ser um grande número de postagens, de visões, de impressões, de expressões, de gritos sobre ou com Florianópolis. Isso com toda a insularidade que se impregna nos atos e na sensibilidade de quem aqui fica exposto. Este projeto não é um projeto pessoal. É o projeto de um grupo de pessoas diversas, que em muito não se entende. Mas é um grupo que tem a vontade de viver e saber que vive esta ilha de forma consciente.
O blog da subtrópicos, irmão do caderno cultural, funcionará de segunda a sexta, nos deixando nos iludirmos aos finais de semana, e estará a serviço de uma perspectiva possível no momento de postagem. Abrigará assuntos diversos. Não deve sair muito da circunferência dos nossos umbigos. Porém são umbigos múltiplos. Espalhados nos interesses. Controversos às formações, ao ambiente, à continuidade. Assuntos que podem parar nas pessoas, nos cachorros, em movimentos sociais, nas ações de petróleo, na inexistência de pesos nas casas de câmbio, em um espetáculo teatral, um grande show de garagem, um belo musical em um clube, etc...
E assim, apenas esperamos dizer. Com um pouco de ambição movimentar palavras, quem sabe de outros.