quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

na grade de horários

descobri que em 2010 os estudantes que gozam do direito do desconto no transporte público não gozarão mais da liberdade de ir e vir, pelo menos não utilizando seus cartões pré pagos e limitados, a bel prazer da curta gama de horários da tabela de carros coletivos.

Explico-me: todos terão seus horários de utilização do chamado passe escolar limitados pelo seu turno de estudo. Deixando os caprichos de lado, pois nunca mais meia entrada no cinema, já que o dinheiro só da pro ônibus, será que alguém avisou pra quem pensou nisso sobre os trabalhos em grupo ou na importância de utilizar os espaços coletivos das instituições de ensino como as bibliotecas ou até mesmo as quadras desportivas?

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Avatar de Titanic

Titanic, do diretor americano James Cameron, é atravessado por uma monumental contradição. Por um lado, a par da história de amor que o anima, o filme, reproduzindo a moral desde sempre associada aos relatos a respeito do naufrágio do famoso transatlântico, denuncia a moderna crença na onipotência da técnica. Por outro lado, recorrendo despudoradamente aos chamados efeitos especiais, Titanic é precisamente um delírio tecnológico, um elogio maníaco à capacidade humana de dominar a natureza. Sintomaticamente, o título da obra é, sem mais, o nome do navio. Freud explica: o que inicialmente se apresenta como reflexão sobre o passado é, no essencial, sua repetição.
* * *

Avatar, a mais nova produção de Cameron, retorna aos temas centrais de Titanic: uma vez mais, ao menos no campo das intenções declaradas, trata-se de propor uma discussão acerca do limites da ambição humana e da necessidade de harmonizá-la com a natureza, suas leis e seus caprichos. Tal projeto, de novo, é ameaçado pela paixão de Cameron pela tecnologia, a começar pelo fato de que, como em Titanic, a comoção que o roteiro é capaz de provocar está, na melhor das hipóteses, a um milímetro de ser neutralizada pelo apelo fascinante das imagens criadas por computador.
* * *

A própria trama de Avatar revela, de resto, o quão problemática e vacilante é a ecologia de Cameron. É verdade que, no filme, os Na’vi – seres extraterrestres profundamente identificados com a natureza – triunfarão sobre os humanos, a despeito da radical desvantagem tecnológica que os oprime. De fato, na undécima hora, quando tudo parece perdido, a sintonia dos ETs com a fauna local deflagra uma autêntica revolução dos bichos, e a derrota iminente transforma-se em vitória acachapante. Contudo, basta um minuto de reflexão para que se ponha em xeque essa aparente supremacia das forças telúricas sobre o impulso de subjugá-las.
* * *

“Vistas de perto”, diz um certo personangem de Sartre, “as vitórias se parecem demais com as derrotas”. Ora, a máxima cai como uma luva para caracterizar o resutado da batalha concebida por Cameron. É que o líder do triunfo dos Na’vi é um avatar, isto é, um homem tecnologicamente transformado em Na’vi (com fins científicos e, secretamente, militares). O recado, salvo engano, é claro: a natureza, doravante, é, em última instância, uma concessionária da tecnologia. O fato de, no fim do filme, o avatar escolher converter-se definitivamente em Na’vi não muda nada. Sim, os Na’vi tem uma relação especial com os animais e as plantas – mas, a partir de agora, estão indissolúvel e visceralmente ligados aos humanos e, em particular, à história das tecnologias. O melhor que podem fazer é reconhecer essa ligação e fazer dela um objeto do que Freud chama de elaboração. A decisão dos Na’vi vai, contudo, em outra direção: trata-se, para eles, de recalcar o vínculo com a humanidade (lembre-se de uma das cenas finais do filme, em que os humanos que sobreviveram à luta são expulsos sob o olhar altivo e confiante dos Na’vi). Ato contínuo, se a psicanálise tem razão, resta aos ETs esperar pelo retorno do recalcado. Suas vidas – podemos adivinhar, embora o filme, não por acaso, tudo nos sonegue a esse respeito – nunca mais serão as mesmas. A técnica humana, doravante, é o diabo, isto é, o deus secreto que, das profundezas do planeta que habitam, governará seus destinos. Os Na’vi venceram a batalha, mas perderam a guerra.
* * *

Avatar parece um elogio da natureza, mas, de ponta a ponta, no enunciado e na enunciação, é, na verdade, um canto de vitória da técnica humana. Em um nível superficial, a moral do filme recomenda a integração urgente com a natureza. Não obstante, sob essa casca ecológica, ouve-se uma outra mensagem – esta: “Os Na’vi podem ser umas gracinhas, mas não chegam aos pés dos humanos. Do jeito que vivem, apesar de as aparências sugerirem o contrário, não podem se cuidar sozinhos e, principalmente, jamais serão capazes de produzir objetos tão fascinantes como Avatar.” E a verdadeira moral do filme continua: “Por nada deste ou de outros mundos, abriremos mão desse fascínio, nem mesmo se o preço pelos prodígios da técnica for, como é o caso, a possibilidade sempre presente de transformar nossas maravilhosas geringonças em absurdas máquinas de destruição.” Realmente, é preciso abrir os olhos para Avatar, essa ode disfarçada à pulsão de morte.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Anistia X Impunidade

Anistia X Impunidade
POR SILVIO TENDLER


Ao Ministro da Defesa
Exmo. Dr. Nelson Jobim

Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O Sr. me conhece pessoalmente e lembra-se de que quando fui Secretário de Cultura de Brasília, no ano de 1996, o Sr. era Ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema Brasília um prêmio para o Filme que melhor abordasse a questão dos Direitos Humanos. Era uma preocupação comum a nossa.

Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos ? hoje somos mais de dez mil ? assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa
dos direitos humanos.

O Sr., Ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das forças armadas, condena a iniciativa de punir torturadores pelos crimes que cometeram.

Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender.

É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos o que reforça a sensação de impunidade. Ao contrário do que afirmam os defensores da impunidade dos torturadores.

O que está em juizo não é o julgamento das forças armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam. Agora pretendem proteger sua impunidade, camuflados corporativamente em nome da honra da instituição. Um pouco de história não faz mal a ninguém. Não está em questão que para consumar o golpe de 64, os chefes militares de então tiveram que expurgar das forças armadas milhares de homens entre oficiais, sub-oficiais e praças cujo único crime foi defender o regime
constitucional do país. Afastaram da vida política brasileira expressivas lideranças, cassando direitos políticos e mandatos parlamentares ou sindicais. Empurraram milhares de cidadãos, na imensa maioria jovens, para a ação clandestina que desembocou na luta armada.

De qualquer maneira os golpistas de 64 protegidos pela lei de anistia não serão anistiados pela história. Fecharam e cercaram o Congresso Nacional. Inventaram a excrescência chamada de Senador Biônico para não perder, pelo voto, o controle do Senado em plena ditadura militar.

Os chefes militares podem ficar tranqüilos que seus antecessores não irão para a cadeia pelos crimes que cometeram contra um país, contra uma geração inteira, a minha, que desaprendeu a falar e pensar em liberdade.

Nada disso está em juízo. Vinte e cinco anos depois de iniciada a transição democrática, o que está em juízo não é o processo de anistia política. Tranqüilize seus colegas militares, ministro.

O regime militar não está sendo julgado pela quebra do sistema público de saúde ou pela quebra do sistema educacional. Estamos pedindo a punição contra criminosos comuns por crimes de lesa humanidade.

Queremos o julgamento e condenação da prática de crimes hediondos. Só isso. Assusta a quem? Em nome do quê o Brasil será eternamente refém de bandidos? O que justifica acobertar crimes condenados por todos os códigos, normas e tribunais internacionais em matéria de direitos humanos?

O Sr. deve estar se perguntando o porquê do meu empenho nesta causa. Vou lhe contar. Despontei pra a vida adulta baixo a ditadura militar. Em 1964, tinha 14 anos e cresci sob o signo do medo. Sou de uma família de judeus liberais, meu pai advogado e minha mãe médica. Invoco as raízes judaicas porque meus pais eram muito marcados pelo holocausto, pelos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Tínhamos muito medo das soluções autoritárias.

Eu queria viver num país livre e tinha sentimentos de profunda repugnância a ditaduras. Meus amigos também eram assim. Participei de passeatas, diretórios estudantis e cineclubes. Queria derrubar a ditadura fazendo filmes. Acreditava que era possível. Em 1969, um companheiro de Cineclubismo seqüestrou um avião para Cuba. Não tive nada a ver com isso. Desconhecia as intenções e a organização do seqüestro.

Meu crime foi ser amigo – sim, meu crime foi o de ser amigo de um seqüestrador. Quase fui preso e morreria na tortura sem falar, não por ato de bravura, mas por absoluto desconhecimento de causa. Não pertencia a nenhuma organização revolucionária. Não sabia nada sobre o seqüestro.

Escapei dessa situação pala coragem pessoal de minha mãe que driblou os imbecis fardados que foram me prender e consegui fugir de casa nas barbas da turma do Ministério da Aeronáutica que, naquele momento, ao invés de dedicar-se a cumprir sua missão constitucional de proteger nossas fronteiras, prendiam, torturavam e matavam estudantes. Tive também a ajuda do Coronel Aviador Afrânio Aguiar que empenhou-se até a medula para que não fosse preso e massacrado na Aeronáutica. A ele dedico meu filme mais recente Utopia e Barbárie. Sem ele, dificilmente estaria contando essa história hoje aqui. Outras pessoas também me ajudaram a sair vivo dessa história mas como não tenho autorização para citá-los e estão vivos, guardo nomes e lembranças no coração.

Em 1970 fui viver no Chile por livre e espontânea vontade. Saí do Brasil legalmente com passaporte, ainda que tenha ido ao DOPS explicar por que saía do Brasil. Eles sabiam as razões pelas quais saía (como é cantado na música, "Não queria morrer de susto, bala ou vício"). Em Janeiro de 1971,do Chile, mandei uma carta para minha mãe, trazida por uma portadora, senhora de boa cepa, que fora visitar o filho no exílio em um gesto humanitário se ofereceu, ingenuamente, para trazer correspondência para os familiares dos exilados . O gesto lhe custou prisão e "maus tratos" nas dependências da aeronáutica.

Na carta pedia a minha mãe que me enviasse livros e minha máquina de escrever. A carta foi entregue em Copacabana por militares do Dói-Codi que arrombaram minha casa, arrombaram móveis a procura de metralhadora (Assim entenderam "máquina de escrever"). Minha mãe foi levada para o quartel da PE na Barão de Mesquita, onde foi humilhada e um dos "patriotas"que a conduziu assumiu de forma permanente a guarda do
relógio que entrou com ela na PE e não voltou para casa.

Amigos ocultos numa rede de gente decente ajudaram a tirar minha mãe daquela filial verde oliva do inferno. Sim ministro, havia muita gente decente nas forças armadas ou que gravitavam em torno dela e que faziam o que podiam para ajudar pessoas. A maioria, prefere, até hoje, não revelar seus gestos por medo dos que praticando atos dignos dos piores momentos da máfia intimidam e atemorizam pessoas de bem. Pior
do que o relógio foi o destino do ex-deputado Rubens Paiva que foi preso no mesmo dia e nunca mais encontrado.

Os senhores fazem muita questão mesmo de proteger os canalhas que seqüestraram e assassinaram o ex-deputado pelo crime de ter recebido correspondência pessoal de exilados no Chile? A quem interessa essa “Omertá"? Ministro, para esses crimes não há justificativa e menos justificativa para o acobertamento dos criminosos.

O que leva a chefes militares e o Ministro da Defesa a se pronunciarem contra a apuração de crimes? Tortura, estupro, morte, muitas vezes seguido de roubo, são atos políticos passíveis de anistia?

Desculpe a franqueza, mas não consigo entender. Em nome do futuro democrático do Brasil , espero que a banda podre, montada no Dragão da Maldade, não saia vitoriosa.
Os chefes militares pronunciam-se a favor do pagamento de reparações às vitimas do arbítrio como um ato indenizatório. Pagamento este feito com recursos públicos desviado de finalidades mais nobres para ressarcir prejuízos causados por canalhas que deveriam ter seus bens confiscados e pagarem com recursos próprios os crimes que cometeram. Muitas empresas que se locupletaram durante a ditadura e inclusive financiaram o aparato repressivo poderiam participar dessas indenizações.

No meu caso, ministro, posso lhe dizer que não há dinheiro que feche essa conta. Não pedi anistia nem indenização porque acho que não sou merecedor (nunca fui exilado, nunca me apresentei assim). E vivo bem com meu trabalho de cineasta há quarenta anos e professor universitário há 31. Se fosse pago com recursos dos bandidos, aceitaria de bom grado. Recursos públicos não.

Cada centavo que aceitasse, me sentiria roubando de uma criança ou de um homem ou uma mulher humildes que precisam mais desse dinheiro numa escola pública, num posto médico, do que eu. Não recrimino quem, por necessidade ou sentimento de justiça, o faça. A reparação que peço é a punição exemplar dos torturadores da minha mãe. O senhor há de concordar que não estou pedindo muito nem nada despropositado. E quando digo que penso no futuro e não no passado é porque a punição exemplar de criminosos desestimulará semelhantes práticas no futuro e terá uma função pedagógica para os que caiam em tentação de uso indevido dos poderes do Estado, que entendam que não vivemos no país da impunidade.

Justiça, peço apenas justiça.

Bom 2010 para o sr.

Atenciosamente

Silvio Tendler

P.S. Falamos de tanta coisa mas esquecemos de comentar dois crimes cometidos depois de 1979 que já não estariam cobertos pela lei de anistia: O assassinato de D. Lyda Monteiro da Silva, secretaria do Presidente da OAB e a mutilação do jornalista José Ribamar em 1980 e em 1981a bomba que explodiu no Riocentro que causou a morte de um sargento e graves ferimento no Capitão.

Imagino que enquanto advogado, o quanto lhe repugna o assassinato da secretária do Presidente da OAB e a mutilação de um jornalista. Tantos anos decorridos talvez ainda seja possível descobrir "os comunistas" responsáveis pela bomba do Riocentro, como concluiu o vexaminoso IPM instaurado na ocasião.

Por falar em comunistas, movimento que condenava a luta armada, o que dizer do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho e do desaparecimento do dirigente Davi Capistrano? Seus assassinos terão imagem, nome e sobrenome ou continuarão protegidos por este exército das sombras?