terça-feira, 29 de setembro de 2009

Exilha

Eu deveria ser preso por falsidade ideológica. É que, em minha carteira de identidade, está escrito que sou paulistano, o que eu e meu psicanalista sabemos ser deslavada mentira. São Paulo – ou ao menos a parte realmente conhecida e valorizada da cidade – era uma figura longínqua, cujo skyline eu via do ponto mais alto da rua em que morava, na Vila Gumercindo. Não, eu não nasci em São Paulo, mas na Vila Gumercindo.
* * *
Ao contrário do que informam meus biógrafos oficiais, tampouco vivi a segunda metade da minha infância e a adolescência no Rio de Janeiro. Não que, nessa época, à semelhança do que acontecera em São Paulo, eu tenha residido em algum subúrbio provinciano, irremediavelmente distante das paisagens de cartão-postal da Cidade Maravilhosa. Pelo contrário: nosso apartamento ficava no Leblon, no coração da Zona Sul da cidade. O problema é que os valores – e sobretudo a moralidade estrita e sufocante – da Vila Gumercindo continuaram a arder no meu peito. Minha alma nunca pertenceu ao Rio. Meu corpo, muito menos.
* * *
Foi a impossibilidade de conviver com essa tensão permanente entre a Vila Gumercindo e o Leblon que me fez procurar abrigo nesta Ilha. O que eu buscava, hoje sei, era a hiperprovíncia: pedacinho de terra perdido no mar. O que eu buscava era uma espécie de Vila Gumercindo sem a imagem ameaçadora do skyline de São Paulo no horizonte. Ledo engano. É verdade que Floripa é, como eu desejava, mais conservadora do que a Vila Gumercindo. Mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, é mais fashion do que o Leblon: indecidivelmente pré- e pós-moderna. Ai de mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário