quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Isn't it ironic... don't you think?

Encontrei um jornal jogado no PET e resolvi abrí-lo na coluna de um dos mais famosos jornalistas da ilha. Deparei-me com uma foto(a qual já haviam me mostrado) de uma mulher,obviamente trajando pouca roupa e uma camisa de futebol, e ao lado o seguinte comentário feito pelo autor da coluna: " M.V. garante que vai dar tudo o que tem para ver seu time subir." Aceitável, vindo dele. Mas eis que leio mais adiante e encontro uma breve crítica moralista sobre um site de relacionamento dinamarquês que só aceita usuários desde que eles sejam bonitos.Os próprios usuários decidem quem pode fazer parte ou não. " Mas será que é só isso? E o charme? E a cultura? E o bom humor?" indaga o jornalista.
Eu não vou falar aqui sobre machismo e outros clichês. Mas o pior é que a moça ainda está de costas na foto. Talvez ele tenha dado um bom exemplo de coerência aceitando a foto da moça em sua coluna, já que como ela está de costas não sabemos se ela é bonita ou não.
Chega de falar, afinal, não se ensinam coisas novas a um macaco velho.
Vou deixar o final para o Dr. Gori, ele sempre sabe qual é a melhor solução.
...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Desabafo

Nos jornais, as notícias de sempre: os problemas do transporte público, o caos que as obras mal planejadas causam ao trânsito, os roubos, os assassinatos na capital...
Divulgar novos espaços de cultura e lazer, para quê? A população não está interessada. É preciso ter assuntos polêmicos para ter o que falar no cabeleireiro, no trabalho, durante o almoço, no supermercado...
A construção de um memorial para reavivar obras de um poeta, brasileiro, negro, não causa polêmica, nem interesse, nem questionamentos.
É preciso sensacionalismo para exercitar a língua e atrofiar a mente!
João da Cruz e Sousa, o "seu valor só foi reconhecido postumamente", é o que dizem. No entanto, me questiono: Reconhecido por quem? Para muitos ele ainda é um desconhecido e dentre esses muitos estão seus conterrâneos.
O poeta está entre os maiores do Simbolismo universal porque Roger Bastide, sociólogo francês, um dos pioneiro dos estudos sobre os negros brasileiros (falo negros brasileiros porque soa melhor, para mim, do que afrodescendente, mas isso já é assunto pra outro post). Roger Bastide também foi professor de sociologia da Universidade de São Paulo entre os anos de 1938 e 1954. Bastide, de fato, reconheceu Cruz e Sousa, os brasileiros, infelizmente, não tiveram a mesma capacidade.
Há 30 anos, em Florianópolis, tentaram prestar uma primeira homenagem a Cruz e Sousa, deram ao antigo Palácio do Governo o seu nome: Palácio Cruz e Sousa, tombado como patrimônio histórico em 1984. Somente há 2 anos, os restos mortais do poeta, que estavam no Rio de Janeiro, chegaram aqui na Ilha. Aos seus 110 anos de morte, completos no ano passado, Cruz e Sousa deveria ter recebido de presente um memorial, no entanto, este só começou a ser construído na última segunda-feira, 26 de outubro.
No espaço, que será construído no terreno do Palácio Cruz e Sousa, deverá ter um local para abrigar a urna mortuária do poeta simbolista, junto a ela também terá uma sala de leitura, uma biblioteca de autores catarinenses e uma cafeteria, onde poderão acontecer lançamentos e saraus literários.
Conforme diz a FCC, "a intenção é que a obra seja um espaço para reverenciar a grandeza do poeta e que sirva, também, como espaço de lazer", mas se ficarmos esperando que os veículos de comunicação sensacionalistas nos avisem sobre a inauguração do espaço ou esperando que algumas pessoas se conscientizem sobre o valor literário da poesia simbolista de Cruz e Sousa e tenham, realmente, algum interesse pela cultura local em geral, iremos "mofar com a pomba na balaia".

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Samba como arte trágica

Edison Carneiro, um dos pioneiros no estudo da cultura afrobrasileira, escreveu que “o negro e o mulato – os homens abandonados dos morros, das favelas, dos bairros inasalubres da cidade – exprimiram seu sofrimento e a sua desesperança, mas também a sua vontade de viver, na batucada, no maxixe, no choro e no samba”. Entenda-se: não se trata de dizer que esse cancioneiro ora enfatiza a dor, ora a alegria. A rigor, ao menos nas manifestações mais notáveis da musicalidade afrodescendente, o que se vê é, antes, uma enigmática justaposição de afetos contraditórios, à maneira do que sucede às tragédias gregas na visão de Nietzsche.
* * *
Monarco, o chefão da Velha Guarda da Portela, é hoje, no samba, o grande representante da arte de fazer do gozo, não o oposto do sofrimento, mas um efeito de seu atravessamento. Basta ouvir "Coração em desalinho" para que se tenha uma idéia do que estou dizendo.
* * *
Monarco esteve em Floripa no findi. Cantou na sede da Embaixada Copalorde. Azar de quem não estava lá. O cara sabe tudo. Repertório perfeito, voz grave, precisa, sem floreios: é o Sinatra do samba.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Troca de nacionalidade, uma propaganda impossível - outras ET Ceteras...

Desculpe amigo BR, mas precisa cuidar de sua miopia.
Já me surpreendi algumas vezes com o cartaz que agora descreves. Mas não é o governo federal que vos fala. Esse é apenas mais um engôdo da ferocidade da propaganda em prol da venda de abstrações e ideias distorcidas de outras miopias. O comércio por trás daquele cartaz é do serviço de pesquisa e do conhecimento das portas de fundo da burocracia. Vende a busca por um vínculo que até tu desconhece, ou remotamente conhece, buscam um qualquer parente, um tataravô não nomeado e carimbam-te como descendente. Agora pagarás carimbos mil e a pátria amada poderá não se chamar mais Brasil. Não se tornarás português mas terá o benefício da fila (a outra com pouca gente e mais atendentes) quando deixares a terra adorada. Também terás o almejado livre trânsito em um espaço em que as dimensões não vão além da América do Sul, porém com uma mãe de herança mais gorda, dispondo de uma gentileza amplamente reconhecida no imaginário do imigrante do nosso século.
Queremos, ou quereis vós, ou querem eles, ou... sei, também quis, quisera um dia eu.. como muitos ainda querem forrar as algibeiras de gordas notas que multiplicar-se-ão por 3 ao retorno do brasileiro (que exacerbará sua brasilidade enquanto estiver fora) à sua terra amada ao longe. Sim, um dia foi ao contrário. E um dia Brasil olhou mais para Portugal e, acredito poder dizer em um exemplo simples de quem entende mais quem em seu falar e quem conhece mais quem em seus autores, agora Portugal olha mais para o Brasil, do que o Brasil para o luso retângulo, nem que seja nos shows a céu aberto, ou apenas na tv em qualquer um dos constantes horários de novela brasileira.
Ah Senhor! Quantos Senhores há no Brasil?. E quando as senhoras deixaram de esconder seus filhos entre as saias que não mais usam para que esses filhos amadureçam a reflexão de sua história? Quando nos curaremos dos traumas de infância e começaremos a nos preocupar com as dores do agora? Quando afirmaremos nossa diferença por nossa convicção fundamentada, ao invés de demonstrarmos a febrilidade adolescente?
Não BR, não falo de ti. Estavas apenas míope. Falo de outras moléstias (em que acredito notar-me enfermas uns dias, quiça não muitos). Quem sabe quantas outras há? Tantas quanto os Senhores?

Réplica - a Adorno

Cultura não é coisa para ociosos, mas deixemos que o diálogo entre Antônio Cândido e Adorno dê conta de mais alguns elementos levantados há poucas postagens:

“A luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da Cultura. A distinção entre Cultura Popular e Cultura Erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de vista cultural, a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito aos direitos humanos e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”.

Afora isso, tenho a acrescentar que o vale-cultura tem pouquíssimo -- nada, de fato -- a ver com qualquer suspeita de que o trabalhador não saiba gastar seu dinheiro: ele nos diz mais é sobre o fato de que não cabe à política definir qual tipo de produção é cultura e deve, portanto, ser subsidiada pelo governo. O vale-cultura restitui ao povo seu direito de escolha sobre o investimento cultural, antes de o tomar.

Opa, a discussão neste espaço requer reflexão sobre a ervilha. Pois bem, nesta ilha um número considerável de suas poucas produções culturais são disponibilizadas ao público gratuitamente ou a preços bastante acessíveis -- a exemplo da última temporada de peças gratuitas no Teatro da UFSC ou das exposições a 2 reais no Victor Meirelles. Isso não garante público, nem o vale-cultura o garantirá. O vale-cultura só garantirá o direito e, com o tempo, de repente, o público não despossuído de seu direito inalienável poderá vir a fazer questão de fazer uso dele.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Et cetera...

Há poucos dias vi um cartaz por que o governo federal - se as armas da República não se deviam à arte de minha miopia - me incitava a pedir nacionalidade portuguesa e, consequentemente, o paraíso do livre trânsito pelas terras unidas de europa.
Ora, a idealização do velho mundo não consta de nenhuma nova e nós brasileiros não deixamos o stigma - ou seria antes o signo de nossa raça? - daquele que vinha a estas terras para voltar com as algibeiras cheias à sua pátria. Claro, sem se esquecer de antes bater os sapatos, ou simplesmente lançá-los às graças de Poseídon. Estivera aquela placa portanto a evidenciar nossa falta de lugar?
E que somos afinal, qual é o nosso lugar? O negro ao qual se impingiu a tirânica unidade da cor; o autóctone extirpado à terra, ao se chamar "índio", ou mesmo "autóctone"; os degredados, bruxas e ladrões, a escória, a face que o europeu quis aqui ocultar; os alemães, os italianos, os açorianos, os portugueses, aqueles ditos colonos fascinados pela propaganda mosaica de um Brasil de séculos atrás; a terra a identificar. Ou somos aqueles aos quais se destina o amparo daquela que um dia deu nome a esta ilha, Nossa Senhora do Desterro?
A busca por uma identidade nacional tem no mínimo dois séculos; ou parece que mesmo antes aquele que pisava nessas terras, já vinha porque se perdera. Desde aqueles romances e poemas, aqueles românticos que viam, ou queriam ver o paraiso perdido, ou destruido, ao fascimo de Vargas e ao slogan, aquele "Um país de todos", a soar, agradável e lisonjeiro, como a fístula de Pan, para que não se notem as pernas de bode, a pergunta é: que identidade e para quê? Não existe identidade do cisma senão de seu próprio corte. E se o desterro não deixou rastro algum?

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Privilégio





Desisti de querer mudar-me para perto da universidade. Já não anseio voltar pra casa caminhando (ou quem sabe, pedalando) ao fim do dia ou me encontrar disponível para qualquer evento manifestado em última hora nos arredores da trindade. Dei-me conta de que me privaria da parte mais prazerosa da minha rotina de moradora distante, se assim o fizesse.
Apresento-vos meu privilégio.
Morar na parte continental da cidade (porque Florianópolis não é feita só de ilha – que isso já sirva ao leitor desavisado) tem suas vantagens. A minha é poder atravessar a ponte todos os dias e assim observar a rica paisagem transitória do adentrar a ilha, na ida, e do afastar-se dela, na volta. Junta-se a essa travessia todo o resto do trajeto que observo (agora já inserida na ilha) via beira mar ou baía sul para chegar à universidade. Por mais que eu trafegue, rotineiramente, pelos mesmos lugares, a visão que tenho através da janela hoje é sempre diferente da que tive ontem. É essa a riqueza da qual não abro mão. A vida que não descuido a mover-se lá fora me fascina. Se trago um livro para ocupar o tempo (o motorista que se encarregue do resto), divido meu olhar entre as linhas fixas e simétricas do papel e a paisagem corrente e improvisada da janela. Cada dia é singular. As nuvens se refletem no mar de maneira diferente, os passantes nas ruas não são sempre os mesmos, os outdoors se modificam, os moradores embaixo da ponte se revezam (simpatizei com o inquilino da vez, que entre seus pertences, conserva um robusto urso panda de pelúcia posto a olhar, incessantemente, a paisagem entre pontes), as pequenas moradas que contornam os morros parecem cada vez mais numerosas, os casais à beira mar brigam e fazem as pazes, as árvores no local mudam de humor com freqüência, o mar é vasto e sempre desconhecido, e uma centena de habitantes insulares que percebo a cada ida ignora meus olhares. Até o trânsito (cada vez mais caótico nessa ilhota) e os semáforos podem ser positivos se encarados nesse contexto: sobra-me mais tempo para a contemplação. Penso que não abdicaria tão fácil dessa minha excursão diária. Penso também que testemunhar toda essa multiplicidade, com seus feitos, enfeites e defeitos, e poder encontrar-me dentro dela, é atividade sublime que se faz necessária. Somo dias, muitos dias, percorrendo o mesmo trajeto – e não canso nunca.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O vale-cultura e o salário dos professores.

O governo quer instituir um vale-cultura a ser adicionado aos parcos vencimentos das parcelas menos favorecidas da população. Seriam R$50,00 para os trabalhadores ativos e R$30,00 para os aposentados, mesmo diante do fato que os aposentados têm muito mais tempo livre. Bem, a idéia não é de todo mal, eu acho que deveriam dar todo o salário em vales, vale-tomate, vale-ph, vale-sabonete, afinal os pobres não sabem mesmo como gastar seu dinheiro. Outra questão é saber se revistas em quadrinhos, CDs do Calypso e DVDs de filme pornô são considerados bem culturais, Adorno deve estar se revolvendo na cova.

Enquanto isso na ilha subtropical é lançado um edital para contratação de professores temporários pouco tempo depois do edital para funcionários efetivos. Ou seja, a prefeitura tem certeza que não vai cobrir todas as vagas com o concurso, por não abrir vagas suficientes e por pagar apenas R$1800,00 para um doutor, e que vai precisar de genéricos pela metade do preço.

No país de muita saúva e pouca saúde nada melhor que educar mal e depois enfiar um vale-cultura, Paulo Coelho que o diga.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

outras sanitas

Gastronomia e banheiros dizem muito sobre a cultura de um povo.

Continuando a pensar o vaso sanitário levantarei uma reflexão de terceiro que anda se prolongando no meu cotidiano:

"os avisos de banheiro dizem muito sobre os costumes de um local"

Essa frase carregada de reticências veio na volta da visita a uma sanita de bar.

Na parede desse bar estava, " não mije no chão".

- Nunca estive em um lugar em que as pessoas precisassem ser avisadas, frente a sanita, que não deveriam urinar no chão


O que penso ser uma constatação parcialmente irreal. Pois ao visitar seu habitat cultural deparei-me com a única louça que conheci projetada para que urinassem no chão do banheiro público.

(na verdade é um banheiro indiano, no meio de uma praia portuguesa)

algo assim, só que bonito. *não é a foto do local descrito


Enfim, lá não havia avisos como "não mije nas paredes" ou "mije no chão" (quem sabe até um "aproveite!")

Em outro choque cultural, uma viagem de grupo para um país hermano, minha hospedagem ostentava avisos no banheiro quase redecorando-o: "não jogue nenhum papel na sanita" e "antes de sair verifique se a água do reservatório não continua vazando, evite desperdício".
O detalhe é que o local estava quase sempre inundado e isso não parecia afetar o staff.

Rememorando a luta por banheiros nas caminhadas por Montevideo comentado um post antes, registro que a ida a um museu é sempre uma felicidade para viajantes-estudantes-visitantes de pontos culturais. Em geral são os banheiros mais bem cuidados, espaçosos e limpos. No que me surpreendi à manifestação do grupo de seu estranhamento:

- Não tem lixeiro, não me sinto mal de jogar papel no vaso.

E por que se sente mal, se este é um procedimento normal no local? É contra os princípios da vida? Certamente é contra os ensinamentos do dia corrente.

Retornando para casa, me sinto tranquila pelos avisos que não tenho em meu próprio trono, sempre acompanhado de boa literatura.

Eis que ao voltar então minhas atividades universitárias, procuro um cubículo sanitário na faculdade e ao entrar encontra a sanita com a tampa baixa e uma pegada marcada em seu topo.
Recordo-me, imediatamente, de um episódio constrangedor e cômico ao mesmo tempo. No começo de uma noite de bar vou ao banheiro, refaço o ambiente: ruídos ao fundo, desconforto habitual, preparo ritual. Barulho incomum, passos e alguém pula, no que compreendo ser o pulo sobre a sanita ao lado para debruçar-se na divisória e invadir a privacidade da evacuação. Grita "mulheres" e sai correndo.

Quando pensei escrever sobre tais reflexões imaginei que ainda teríamos que afixar nas paredes dos banheiros "proibido subir na sanita", depois me dei conta de que já tinha lido este aviso e mais, buscando ilustração para essas palavras, descobri até mesmo incentivos para o ato de espiar.


quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A anistia e o vaso sanitário.

Abaixo do trópico, numa posição sub-subtropical, existe um povo que poderia ser resumido em tomar mate e caminhar ao sol. Mais precisamente, porém sem o mesmo rigor, em caminhar mate tomando sol. O que nos leva a refletir sobre onde despejam a água caliente que se compra em qualquer esquina(sim! os bares vendem água aquecida) e que tomam incessantemente numa infusão diurética. O acesso aos banheiros é, incrivelmente, difícil.

Existem outros problemas além da questão banheirífera, a taxa de desemprego é altíssima, existem mais casas de câmbio do que indústrias (a erva-mate vem do Brasil), e os caudilhos de cabelo penteado no estilo de galãs de novela mexicana e com sobrenomes que temperam a colonização espanhola com algo britânico continuam tentando o poder. Na esfera cultural os uruguaios ressaltam como seus o tango e o carnaval, infelizmente, identificados internacionalmente com os vizinhos grandes Argentina e Brasil.

Apesar do clima decadente, ou animados por ele, os uruguaios estão prestes a tomar uma decisão que pode ser exemplar para os países vizinhos. Votarão no mesmo dia da eleição presidencial a derrubada da lei de caducidad, ou seja, vão anular a anistia e julgar seus militares raivosos. A outra lição que podemos tirar do Uruguai è sanitária e serve para Florianópolis, se queremos uma cidade turística podemos começar construindo banheiros.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Water Falls

Imaginem uma ilha em que a grande celebridade é um sujeito que, na infância, foi o astro de anúncio de sardinhas (eu quase ia dizendo tainhas). Imaginem que essa ilha pacata e provinciana vira um ponto turístico graças a insuspeitadas tempestades de hambúrgueres e outras iguarias. Assim é Swallow Falls, cidade ficctícia onde se passa Tá chovendo hambúrguer, nova produção da Disney Pixar. Assim é Floripa, salvo pelo fato de que aqui é água mesmo o que desaba sobre nós.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Fado Subtropical

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Esses versos servem de refrão para a música Fado Tropical, parte da trilha sonora da peça Calabar: o elogio da traição, escrita por Chico Buarque e Ruy Guerra. A peça é ambientada por volta de 1632, época do Brasil colonial.

Quero ler a atual Florianópolis com a incidência desses versos, ou com a incidência do que eles sugerem. Justifica minha intenção a similaridade situacional: na época retratada na música de Chico, ainda não havia a noção de povo brasileiro, bem como agora não há a noção de povo florianopolitano. Ainda assim havia um projeto de nação, assim como agora há um projeto de cidade, ou melhor, um conjunto de intenções, o que se idealiza para o local que se habita. Em ambos os casos, como é bem retratado pela canção, essa situação de pertencer e amar uma terra sem contudo identificar-se com ela gera experiências esquizofrênicas.

Cresce a heterogeneidade da população que aqui reside e os “nativos” (não os tupi-guaranis, os açorianos, é claro) são cada vez mais marginalizados, forçados a permanecerem em seus redutos nas freguesias da ilha, vez por outra visitados, expostos como exemplares de nativos, como excertos da original , da autêntica Florianópolis.

Concentram-se na ilha desejos que são, por fim, esquizofrênicos: o de que ela seja reduto paradisíaco, refúgio da civilização, mas que também abrigue as necessidades múltiplas, metropolitanas, cosmopolitas dos que aqui aportam. Assim, o movimento que vem de variados centros para estas margens busca quase que um refúgio rural—e encontra. Mas a placa estrangeira buzina para a demora na partida ao sinal verde e, honestamente, é um absurdo não haver sequer um hortifruti 24hs. A cidade está no século passado. E a gente está de acordo.

domingo, 11 de outubro de 2009

As nossas pontes

Desenho bizarro de (três) pontes. Duas completamente cheias pelos passageiros, reflexos. Outra distante, habitada somente pelas luzes. Inútil, fim em si mesmo. A distinção entre o locucionário e o ilocucionário. O abismo de mar e esgoto vagamente (de)limita a diferença. Algum dia, quem sabe, um raio branco cairá do alto do céu, aniquilando com esta nossa comédia.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Oscilações

Nunca fui boa em questões que envolvem a singularidade do dizer. Aliás, nunca fui singular em nada, nem mesmo nas cidades que escolhi pra viver. Passo mais tempo oscilando entre uma e outra do que em uma especificamente. E durante esse tempo, assumo uma postura um tanto quanto flanêur que sente a necessidade de estar sempre fora absorvendo a identidade das ruas. As crenças, humores, posições e (dis)sabores atravessam a cidade e pairam diante de mim. Um pouco da doce e tranquila terra natal e um pouco da nova terra. Vivo assim! Cercada entre fronteiras que não representam o fim,e sim o começo de algo que está por vir.

(Tr)Ilhas

Faz parte do dia-a-dia de todos que moram aqui perambular pela Florianópolis urbana, cinzenta. Cinzenta do asfalto e da fumaça dos veículos congestionados numa “geral” por aí. Então, por quê não se aventurar, vez ou outra, por caminhos onde o cinza dá lugar ao verde? Aquele verde que vemos nos morros que permeiam a vista da cidade, que parecem tão distantes da nossa realidade “concreta”. Caminhos verdes que não te levam a lugar específico algum, apenas trilham entre as árvores para chegar a um lugar com mais árvores.

Conhecer essa Florianópolis verdejante servirá de alívio para essa realidade constituída por um crescente amontoado de prédios. Então, aproveite com moderação, mas não demore; pois é por tempo (i)limitado.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Enquanto isso...

Mais um início de semana com chuva caracterizando o clima primaveril na Ilha da Magia. Nossa, quanta chuva e frio! Começo a sentir falta dos outros retratos dessa estação: as flores, os cantos dos pássaros, a temperatura amena, no entanto, o que vejo com maior frequência é a fila de carros se amontoando na lentidão do tráfego em principais avenidas da cidade e nas pontes que ligam a Ilha ao Continente.
Mas é preciso seguir, porque as pessoas querem chegar.
Enquanto isso...
Na praça XV, a velha figueira, apoiada sobre suportes metálicos, continua frondosa oferecendo sua sombra aos passantes e recebendo casais de namorados, aposentados despreocupados, turistas encantados.
Em um bairro da cidade um shopping é assaltado, alguém perde o ônibus, a criança é deixada pela mãe na creche, a moça vai de bicicleta para a faculdade.
Todos continuam indo porque precisam chegar.
Enquanto isso...
Os Guarapuvus florescem colorindo em tons de amarelo e rosa a mata Atlântica e as Laelias Purpuratas desabrocham esplêndidas no interior da Ilha.
Mais um dia se esvai e a pesca não está boa para João, Maria trabalha para aumentar a sua produção de renda, um mendigo come o último pão amanhecido e mais um cãozinho abandonado é acolhido por um passante solitário.
Eles acreditam que vão chegar.
Enquanto isso...
O Martim-Pescador-Verde dá um mergulho profundo na Lagoa da Conceição e captura a sua última refeição do dia.
Já é noite na Grande Florianópolis. Todos estão cansados, um repouso é necessário para recuperar as energias e encarar mais uma semana chuvosa com forças para que todos possam, um dia, chegar.
Chegar...
Chegar aonde?

sábado, 3 de outubro de 2009

Sotaque

Delimitei meu espaço
Mantendo minha língua intacta
Derramei sobre o outro
Minhas expressões idiomáticas
Como que para afirmar uma identidade
Como que para resguardar uma origem
Me agarro a sons, sentidos, signos
Demarco um território
Ao menos linguístico
E na fala me reconheces
Natural de Florianópolis


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Transporte coletivo

Tenho simpatia por essas pequenas coincidências ingênuas do dia-a-dia. Um sair da aula de francês, passar na sala costumeira e chegar ao ponto de ônibus 5 minutos mais tarde. Um pegar o ônibus do trajeto mais longo só porque ele já está ali parado, com as portas abertas e prestes a sair. Um sentar na primeira poltrona, para esticar as pernas e observar a paisagem já tão familiar correr às pressas. Um pensar breve em planos, projetos, viagens... Um pensar em ti, enquanto o ônibus percorre a rua em que costumas estar. Um lembrar que você talvez esteja passando por ali àquela hora e que eu talvez o veja por alguns segundos pela janela. Um olhar pra minha diagonal e então ver-te, não com muita surpresa, parado ali, passando pela catraca, tendo recém subido no ônibus. Naquele mesmo ônibus que eu. Naquele mesmo momento em que eu. Um esperar que você me veja. Um conseguir e você sentado na poltrona atrás da minha. Um conversar, contar as novidades, deixar de lado os encontros e desencontros anteriores. E então um desvio de trajeto, um cemitério e o ônibus quebrado. Um ouvir o cobrador dizer (a nós dois e ao outro passageiro do fundo) que foi a água que esquentou, mas que o motorista já vai trazer outra; que não há problemas. E um ouvir você comentar “Mas assim, nesse frio?”. Um esperar que o motorista retorne, mas sem muita ansiedade, pela vontade de desfrutar do acaso de te ter por mais tempo. Um conversar mais um pouco até que o motorista enfim retorna e o ônibus continua seu trajeto, agora quase completo. Um chegar ao terminal, levantar-se, sair do ônibus. Um leve despedir-se e os caminhos separados. Por fim um sentar só no próximo ônibus, na janela que dá para o mar, e um pensar: Que doce acaso!

Florianópolis é assim: de tão pequenina como ervilha verde, os caminhos se transportam e se cruzam em noites quaisquer.