quarta-feira, 24 de novembro de 2010
O baile de máscaras
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
"Sem a música, a vida seria um erro"
domingo, 11 de julho de 2010
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Copa
quarta-feira, 30 de junho de 2010
sábado, 19 de junho de 2010
sexta-feira, 18 de junho de 2010
quarta-feira, 16 de junho de 2010
terça-feira, 15 de junho de 2010
Depois de um dia difícil
O poder da instrução é raras vezes eficaz exceto para aqueles felizardos para os quais ela é quase supérflua.
Gibbons
terça-feira, 8 de junho de 2010
Serviço de utilidade pública
Pois bem, amanhã será inaugurada uma nova sala de cinema na ilha, a Paradigma Cine Arte. Apesar do nome um pouco pretencioso, talvez uma homenagem ao velho camarada Jakobson, o lugar parece ser interessante. E será até que infindável reforma do CIC termine, uma opção á guerreira solitária, a sala de cinema do Centro Cultural Sol da Terra.
A parte deplorável fica por conta da localização: Centro Empresarial Corporate Park, na SC-401, 8.600, Santo Antônio de Lisboa, sala 2, bloco 8. O leitor desatento não se engane, ele não fica de frente para o mar ou do lado de um restaurante de San Antonio. Fica no meio da SC, onde o ônibus passa rachando a cada 40min.
Além disso, a data de inauguração foi um pouco mal escolhida. Temos o FAM, logo na semana que vem. Em todo caso: http://www.paradigmacinearte.com.br/
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Armação
e os pés das moças faceiras que caminhavam despreocupadas,
lança-se caldaloso e imponente contra as rochas depositadas às pressas.
- Gente estúpida! Te invade e ainda persiste com a ilusão de poder te controlar!
Doce mar...
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Ode
a mirar o mar, que temido
agora infuso se recolhe,
a espumas retrair olvidado
de Chronos antigo?
Vê que o navegante isso sabe,
que dessa convulsão de ondas
nada se vê, desconhecida
longitude das muitas ressacas
de si afogadas.
terça-feira, 1 de junho de 2010
poema do escudeiro
que eu não sou louco!
minha alma plebéia
não é devotada a nenhuma dulcinéia
e muito pouco
me permite sonhar.
se digo que os gigantes
são os moinhos de antes,
se deixei casa e família,
foi para ganhar minha ilha,
nas profundezas do mar.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Coleção
quinta-feira, 27 de maio de 2010
A pesada consciência do pós-marxismo.
Segunda-feira caminhando tranquilamente da casa de um amigo em direção a minha casa, eis que encontro a manifestação no meio do caminho. Engoli seco e passei olhando com o cantinho do olho. (contradição n4).
"Passam os dias, permanece a contradição."
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Fato verídico
terça-feira, 25 de maio de 2010
Vontade
na adolescência, a vontade era de encarar o mundo;
na fase adulta ela tem vontade de abraçar o mundo.
Baixinho, ela implora ao tempo:
- Desta vez, por favor, não seja tão fugaz.
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades..."
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Ecologia
Quimeras
Enquanto a democracia diz "tu podes, se tu deves", o liberalismo diz "se tu queres, tu podes". E é desse odioso hymeneu que nasceu a política moderna; aliás, um eufemismo para briga de comadres.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Musicologia
terça-feira, 18 de maio de 2010
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Colonização
eivada de sangue
e de ti,
prosperam potosís de alegria.
quanta iniquidade eu já não fiz?
quantos corpos de negros escravos não moí
para fartar as naves imensas
da ganância de ser feliz?
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Alívio copernicano
- Bom dia, disse um senhor.
- Bom dia, respondi.
- Bom dia, disse de novo.
- Bom dia, respondi.
- Sim, porque é dia. Não existe “boa tarde”, muito menos “boa noite”. Se tu estiveres na rua a uma da manhã e tu encontrares alguém, tu dirás “bom dia” ou “boa noite”?
- Boa pergunta. O que eu deveria dizer?
- Bom dia. Não existe noite. A terra é redonda. O que existe é sombra. Mas, tenho que ir. Devagar, minhas pernas cansam rápido. Bom dia.
- Bom dia.
terça-feira, 11 de maio de 2010
Paulinho da Viola
domingo, 9 de maio de 2010
Qualquer coisa I
Quando a aeromoça de uma viagem de avião – a única que fiz que teve janta – perguntava quase gritando com o sotaque canino dos anglo-saxões “beef or pasta!?”, a escolha era bem mais fácil, era imediata, por impulso, um segundo fazia diferença entre receber a amorfa refeição ou causar a fúria da ex-sex-symbol sexagenária. Eu, rapidamente, percebi qual dos males era o menor.
Aqui no blog a atonicidade frente ao escolher entre infinitos temas é agravada, ainda, pela falta de limite temporal objetivo – claro existe a obrigação semanal de escrever aqui, mas qualquer desculpa é válida para que nos furtemos dela. Esse post que faço agora, está 5 dias atrasado.
De qualquer coisa para qualquer coisa, entretanto, há uma diferença de interpretação. Claro, também, acredito perder o desafio, aquele de escrever sobre qualquer coisa. Porém, tal como quem aceita brincar de associação livre, acredito que ganho aquele outro desafio: o de enunciar a mim mesmo. Ou melhor, adquiro o desafio de suportar a perenidade do texto que escrevo aqui que, ao contrário da fala na associação livre que acaba no exato momento que surge, pode restar eternamente.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
SAUDADE
Viajar é uma experiência fascinante. Sobretudo, quando no local para o qual você viaja, existem pessoas que falam uma língua irmã à sua. Palavrinhas mágicas vão sendo aprendidas e algumas outras nem se precisam aprender, são iguais.
Há na experiência de conhecer uma nova cultura, um novo povo, um novo idioma, inúmeras vantagens. Uma delas, seguramente, é o aumento da possibilidade de significar as coisas no/do mundo. E quando as coisas do mundo são, especialmente, sentimentos, essa experiência torna-se ainda mais rica.
Maneiras distintas de mensurar o tempo também fazem parte dessa grande experiência. Como alguém pode pensar ou medir o tempo de outra maneira que não aquela que minha língua expressa? Aquela que sempre existiu pra mim? Perco tempo com essas questões...
Afinal, que é o tempo?
A língua que mede aquele tempo, certamente, não poderia originar uma palavra que dá conta do sentimento de querer que este tempo corra depressa.
Ergonomia, Horácio!
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Qualquer coisa
“Escreva sobre qualquer coisa”, foi o que me responderam, depois de feita a temível pergunta “Sobre o que escrever?”. Tomo a resposta ao calcanhar da letra e aceito o desafio de escrever sobre “qualquer coisa”. Primeiro, é preciso suspender qualquer possibilidade metalingüística, pelo simples fato de que não há tal possibilidade. Deus talvez possa falar da língua dos homens, mas, nós mortais temos apenas uma linguagem. Falar metalinguisticamente é falar tautologicamente, i. e. dentro de um mesmo sistema, pois seriam necessárias novas referências para sustentar novos conceitos, e novos conceitos não dispensam a linguagem. Uma formalização não traduzida para uma linguagem ordinária continua a ser apenas uma série de símbolos autológicos: são signo e referência. “Qualquer coisa” é qualquer objeto, mas não é um objeto qualquer. Sua indefinição repousa justamente nos limites do que não pode ser definido, portanto seu limite é a definição. Mas não há termo a esta definição. Abandonamos nossa teoria? Absolutamente não; desde que o termo seja fim, feche uma totalidade. Assim, “qualquer coisa” continua a ser qualquer coisa. Mas, o que? Do que falamos até agora? “Qualquer coisa” é alguma coisa. Sim, mas como se pode falar de alguma coisa indefinida, ou antes, como se pode predicar indefinição de alguma coisa? A indefinição é a negação de uma definição, portanto de alguma coisa. Não pode ser isto ou aquilo outro, mas uma indefinição. Falamos do que não se conhece? Mas como se pode falar do que não se conhece? Se a linguagem permite que se cometa tal absurdo lógico, então existe outros interpostos pelos quais passa que não apenas signo e referência, já que se fala de algo pro qual não há referência. Ou, acaso pode-se apontar para "qualquer coisa"? Não, pois mesmo que se pudesse, ao apontar para "qualquer coisa", “qualquer coisa” deixa de ser o que é para ser qualquer coisa apontada. O ato de apontar dá um contorno para “qualquer coisa”. Há, no entanto, um uso de “qualquer coisa” que talvez possa lançar objeções ao que se disse: quando alguém diz, “Escolha alguma coisa”, “Mas o que?”, “Bem, qualquer coisa!” Nesse caso “qualquer coisa” se define por alguma coisa de um conjunto de coisas que estão em um lugar, e este é o máximo a que definição pode chegar. Há um termo para ela. Como se vê, este não é o caso. Se a linguagem permite falar de algo pro qual não há referência, então não faz sentido falar em termos metalingüísticos, pois ela, por si só, já ultrapassa o âmbito dos objetos; visto que a linguagem não é um simples apontar para eles, como queriam os gênios inventores do mundo de Gulliver, falar metalingüisticamente é fazer meta-metalinguagem; é objetificar algo que já é capaz de criar objetos, e que, por isso, possibilita que haja metalinguagem. Entretanto, do que fala a metalinguagem? Tudo se torna um imenso jogo de espelhos. Não se pode falar de um objeto objetivamente."Qualquer coisa" é um objeto da linguagem, mas não do mundo. Só podemos falar de “qualquer coisa”, porque não temos o mundo. E perco o desafio, se desde o início (não) falei de nada.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
Cinema
o texto
terça-feira, 4 de maio de 2010
Por trás das letras
sexta-feira, 30 de abril de 2010
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Leitura do mês
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Para conversar, o diálogo é necessário.
Somos mudos diante das caixas de luz.
Somos cegos diante dos corpos foscos.
Somos tristes na surda escuta dos gritos do almoço.
Cansa a escrita sem fim, do livro sem propósito, para o leitor inexistente, rabiscada com a nula estilística, utilizando-se do escárnio do seu próprio ser que não se mostra detentor de graça.
Falta-nos objetivo,
fecharmo-nos na caixa não nos é visto como tal.
O que acontece lá fora?
Não há ilha.
Não há olhar.
Com o sono, fecham-se as pálpebras.
terça-feira, 27 de abril de 2010
Sempre quis saber expressar o que sinto quando retorno ao meu recôndito lugar depois de um dia exaustivo, nublado.
Mas hoje o sol reapareceu após dias de chuva!
O sol brilhava, mas era lá fora.
E quando finda o dia, um pouco mais tarde, reencontro o meu quarto, meu grande pequeno mundo. INVIOLÁVEL quarto interior.
Quarto templo onde recarrego as energias.
Graças ao dia, à noite, ao quarto, aos grandes escritores como Raduan Nassar.
Oxalá comece em maio.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Espelho
Cá entre nós, eu sempre achei que o ano só começa em meados de abril.
segunda-feira, 5 de abril de 2010
O terceiro elemento
Parece piada, mas não é. A rigor, essa solicitação de indiciamento da humanidade tem algo de apavorante: ao enunciá-la, Alexandre e Anna Carolina separam-se e distinguem-se, não deste ou daquele grupo, mas dos homens e mulheres em geral. Ao continuar a ser repetida (a despeito de sua irremediável inconsistência), a tese da terceira pessoa revela-se cada vez mais como expressão de um racismo hiperbólico, dirigido não aos negros, aos judeus ou – que sei eu? – aos homossexuais, mas à humanidade como um todo.
Como puderam os Nardoni matar aquela que deveriam proteger? A seqüência dos acontecimentos o esclarece: um ato tão absurdo é possível porque advém do lugar de um narcisismo e de um egoísmo tamanhos que, em seguida, como se fosse a coisa mais trivial a ser feita, afirma-se contra todas as almas deste mundo. Eu e o leitor que tratemos de conseguir um álibi capaz de provar nossa inocência.
Isto posto, é preciso dizer que reduzir os Nardoni a duas figuras monstruosas, inumanas, não é a finalidade deste artigo. Proceder assim seria simplesmente inverter o gesto do casal de elevar-se acima do comum dos mortais. Que eu seja entendido: os Nardoni fizeram algo escabroso e devem pagar muito caro por isso. Mas segregá-los em uma prisão não pode ser o mesmo que realizar pelo avesso o seu desejo distinguir-se da humanidade. Se há uma punição realmente eficaz para Alexandre e Anna Carolina, ela consiste em interditar-lhes a tentativa de permanecer entre as quatro paredes de seu narcisismo. É urgente insistir em dizer-lhes: “A despeito do alto juízo que vocês fazem de si mesmos e apesar do crime que cometeram e da execração a que isso necessariamente corresponde, vocês são humanos e não podem não sê-lo”. Creio que não há castigo maior para eles. O fato, contudo, é que, em contrapartida, há um preço que todos devemos pagar a fim de, nesse caso, poder fazer justiça, imputando aos Nardoni a pena que realmente merecem: impedir-lhes o desejo de distinguir-se do comum dos mortais implica, por outro lado, reconhecer que, por pouco que seja, há um que de Nardoni e Anna Carolina em nós. O exercício é doloroso, mas precisamos buscar, não apenas o que singulariza o casal, mas também o que, nessa dupla diabólica, é marca de humanidade e sinal de pertencimento a este nosso mundo.
Jurandir Freire Costa pode ser nosso guia nessa tarefa. Para ele, está claro que o caracteriza a vida contemporânea é o enfraquecimento da lei como instância capaz de mediar as relações entre os sujeitos (aqui, entende-se lei em seu sentido formal, mas também em sentido amplo, como código moral ou tradição a ser seguida). Contardo Calligaris completa a tese de Freire Costa: a civilização depende e continua a depender da internalização da autoridade (é o que nos impede de nos matarmos uns aos outros sem que a presença de um policial seja necessária); mas, em sua forma moderna, essa internalização da autoridade ocorre ao preço do recalque de sua origem exterior. Trocando em miúdos, não é que o sujeito recuse a lei em si ou pelo menos a totalidade delas; o que ele faz é submeter essas herança recebida a uma espécie de tribunal interno que decide o que lhe serve e o que não lhe serve. Em suma, ele filtra e privatiza um legado social.
Mas é necessário acrescentar que o individualismo moderno tem uma contraparte negativa, arriscada, perigosa: deixar a cada um a decisão sobre o que é justo ou injusto é habitar um mundo em que é rigorosamente impossível saber até onde o nosso semelhante pode agir com a consciência tranqüila.
Esse estado de coisas produz o que Jurandir Freire Costa chama de cultura da violência: na medida em que não sabemos até onde o outro pode agir sem culpa, isto é, na medida em que o outro – qualquer outro – é um agressor em potencial, resta-nos antecipar-nos a seu ataque: somos desde logo agressivos com ele.
Cultura da violência, cultura do narcisismo: a agressividade preventiva como forma de relacionar-se com o outro inviabiliza o diálogo, imergindo o sujeito em um mundo radicalmente privado, no qual pensar – o que, na brilhante fórmula de Hannah Arendt, é sempre colocar-se no lugar do outro – torna-se cada vez mais uma impossibilidade. O limiar desse processo é Alexandre Nardoni, encarnação do que a própria Hannah Arendt chama de banalidade do mal, quer dizer, do mal que provém, não das profundezas da patologia, mas da superficialidade de quem é simplesmente incapaz de tentar ver o mundo pelos olhos do outro (ainda que esse outro seja, no limite, a própria filha).
Margareth Thatcher, ex-primeira ministra inglesa, disse certa vez que “não existe essa coisa chamada sociedade; o que existe é o indivíduo”. Esse não é um pensamento isolado. É uma insígnia de nosso tempo. A maioria de nós está disposta a ir bem longe nessa defesa da própria liberdade e da própria singularidade, sobretudo quando se trata de preservar os nossos direitos de cidadão (e, principalmente, de consumidor) ou de contrariar os limites e taxações que o Estado, por razões legítimas ou ilegítimas, impõe sobre nós. Essa luta em nome do desejo individual freqüentemente parece muito bonita e de fato o é em inumeráveis casos. Mas há que se dizer que é contínua a linha que liga esse bom combate a um narcisismo imbecilizado e aberto aos atos mais aberrantes. A violência e a morte rondam o individualismo moderno. Ser indivíduo, insisto, é estar sempre a esgarçar o lugar da lei, isto é, do terceiro que medeia e organiza as minhas relações com meus semelhantes.
Do que eu disse resta concluir que tudo o que faltou na cena do crime de Isabella é um terceiro elemento, quer dizer, uma instância mediadora que se interpusesse entre os Nardoni e Isabella e fizesse aquele homem e aquela mulher enxergar que há coisas que simplesmente não se pode fazer ao outro. Os Nardoni – figuras exasperadas do individualismo moderno – passaram a vida a exorcizar esse terceiro por cuja presença eles agora clamam.
Pois bem: o terceiro, enfim, chegou. Veio tarde demais para salvar Isabella, mas alcançou os Nardoni a tempo. Não veio sob a forma que o narcisismo deles queria, quer dizer, na pessoa de alguém que assumisse, no lugar de Alexandre e Anna Carolina, o crime que cometeram. Veio, isso sim, na carne de um juiz que os declarou culpados e condenou aqueles que exerceram o narcisismo até o limite a viver como prisioneiros, grau zero da individualidade moderna. Que isso sirva de lição. A eles. A nós.
quarta-feira, 10 de março de 2010
um dia e depois outro
sábado, 6 de fevereiro de 2010
"Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal"
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
na grade de horários
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Avatar de Titanic
Avatar, a mais nova produção de Cameron, retorna aos temas centrais de Titanic: uma vez mais, ao menos no campo das intenções declaradas, trata-se de propor uma discussão acerca do limites da ambição humana e da necessidade de harmonizá-la com a natureza, suas leis e seus caprichos. Tal projeto, de novo, é ameaçado pela paixão de Cameron pela tecnologia, a começar pelo fato de que, como em Titanic, a comoção que o roteiro é capaz de provocar está, na melhor das hipóteses, a um milímetro de ser neutralizada pelo apelo fascinante das imagens criadas por computador.
A própria trama de Avatar revela, de resto, o quão problemática e vacilante é a ecologia de Cameron. É verdade que, no filme, os Na’vi – seres extraterrestres profundamente identificados com a natureza – triunfarão sobre os humanos, a despeito da radical desvantagem tecnológica que os oprime. De fato, na undécima hora, quando tudo parece perdido, a sintonia dos ETs com a fauna local deflagra uma autêntica revolução dos bichos, e a derrota iminente transforma-se em vitória acachapante. Contudo, basta um minuto de reflexão para que se ponha em xeque essa aparente supremacia das forças telúricas sobre o impulso de subjugá-las.
“Vistas de perto”, diz um certo personangem de Sartre, “as vitórias se parecem demais com as derrotas”. Ora, a máxima cai como uma luva para caracterizar o resutado da batalha concebida por Cameron. É que o líder do triunfo dos Na’vi é um avatar, isto é, um homem tecnologicamente transformado em Na’vi (com fins científicos e, secretamente, militares). O recado, salvo engano, é claro: a natureza, doravante, é, em última instância, uma concessionária da tecnologia. O fato de, no fim do filme, o avatar escolher converter-se definitivamente em Na’vi não muda nada. Sim, os Na’vi tem uma relação especial com os animais e as plantas – mas, a partir de agora, estão indissolúvel e visceralmente ligados aos humanos e, em particular, à história das tecnologias. O melhor que podem fazer é reconhecer essa ligação e fazer dela um objeto do que Freud chama de elaboração. A decisão dos Na’vi vai, contudo, em outra direção: trata-se, para eles, de recalcar o vínculo com a humanidade (lembre-se de uma das cenas finais do filme, em que os humanos que sobreviveram à luta são expulsos sob o olhar altivo e confiante dos Na’vi). Ato contínuo, se a psicanálise tem razão, resta aos ETs esperar pelo retorno do recalcado. Suas vidas – podemos adivinhar, embora o filme, não por acaso, tudo nos sonegue a esse respeito – nunca mais serão as mesmas. A técnica humana, doravante, é o diabo, isto é, o deus secreto que, das profundezas do planeta que habitam, governará seus destinos. Os Na’vi venceram a batalha, mas perderam a guerra.
Avatar parece um elogio da natureza, mas, de ponta a ponta, no enunciado e na enunciação, é, na verdade, um canto de vitória da técnica humana. Em um nível superficial, a moral do filme recomenda a integração urgente com a natureza. Não obstante, sob essa casca ecológica, ouve-se uma outra mensagem – esta: “Os Na’vi podem ser umas gracinhas, mas não chegam aos pés dos humanos. Do jeito que vivem, apesar de as aparências sugerirem o contrário, não podem se cuidar sozinhos e, principalmente, jamais serão capazes de produzir objetos tão fascinantes como Avatar.” E a verdadeira moral do filme continua: “Por nada deste ou de outros mundos, abriremos mão desse fascínio, nem mesmo se o preço pelos prodígios da técnica for, como é o caso, a possibilidade sempre presente de transformar nossas maravilhosas geringonças em absurdas máquinas de destruição.” Realmente, é preciso abrir os olhos para Avatar, essa ode disfarçada à pulsão de morte.
domingo, 10 de janeiro de 2010
Anistia X Impunidade
POR SILVIO TENDLER
Ao Ministro da Defesa
Exmo. Dr. Nelson Jobim
Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O Sr. me conhece pessoalmente e lembra-se de que quando fui Secretário de Cultura de Brasília, no ano de 1996, o Sr. era Ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema Brasília um prêmio para o Filme que melhor abordasse a questão dos Direitos Humanos. Era uma preocupação comum a nossa.
Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos ? hoje somos mais de dez mil ? assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa
dos direitos humanos.
O Sr., Ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das forças armadas, condena a iniciativa de punir torturadores pelos crimes que cometeram.
Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender.
É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos o que reforça a sensação de impunidade. Ao contrário do que afirmam os defensores da impunidade dos torturadores.
O que está em juizo não é o julgamento das forças armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam. Agora pretendem proteger sua impunidade, camuflados corporativamente em nome da honra da instituição. Um pouco de história não faz mal a ninguém. Não está em questão que para consumar o golpe de 64, os chefes militares de então tiveram que expurgar das forças armadas milhares de homens entre oficiais, sub-oficiais e praças cujo único crime foi defender o regime
constitucional do país. Afastaram da vida política brasileira expressivas lideranças, cassando direitos políticos e mandatos parlamentares ou sindicais. Empurraram milhares de cidadãos, na imensa maioria jovens, para a ação clandestina que desembocou na luta armada.
De qualquer maneira os golpistas de 64 protegidos pela lei de anistia não serão anistiados pela história. Fecharam e cercaram o Congresso Nacional. Inventaram a excrescência chamada de Senador Biônico para não perder, pelo voto, o controle do Senado em plena ditadura militar.
Os chefes militares podem ficar tranqüilos que seus antecessores não irão para a cadeia pelos crimes que cometeram contra um país, contra uma geração inteira, a minha, que desaprendeu a falar e pensar em liberdade.
Nada disso está em juízo. Vinte e cinco anos depois de iniciada a transição democrática, o que está em juízo não é o processo de anistia política. Tranqüilize seus colegas militares, ministro.
O regime militar não está sendo julgado pela quebra do sistema público de saúde ou pela quebra do sistema educacional. Estamos pedindo a punição contra criminosos comuns por crimes de lesa humanidade.
Queremos o julgamento e condenação da prática de crimes hediondos. Só isso. Assusta a quem? Em nome do quê o Brasil será eternamente refém de bandidos? O que justifica acobertar crimes condenados por todos os códigos, normas e tribunais internacionais em matéria de direitos humanos?
O Sr. deve estar se perguntando o porquê do meu empenho nesta causa. Vou lhe contar. Despontei pra a vida adulta baixo a ditadura militar. Em 1964, tinha 14 anos e cresci sob o signo do medo. Sou de uma família de judeus liberais, meu pai advogado e minha mãe médica. Invoco as raízes judaicas porque meus pais eram muito marcados pelo holocausto, pelos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Tínhamos muito medo das soluções autoritárias.
Eu queria viver num país livre e tinha sentimentos de profunda repugnância a ditaduras. Meus amigos também eram assim. Participei de passeatas, diretórios estudantis e cineclubes. Queria derrubar a ditadura fazendo filmes. Acreditava que era possível. Em 1969, um companheiro de Cineclubismo seqüestrou um avião para Cuba. Não tive nada a ver com isso. Desconhecia as intenções e a organização do seqüestro.
Meu crime foi ser amigo – sim, meu crime foi o de ser amigo de um seqüestrador. Quase fui preso e morreria na tortura sem falar, não por ato de bravura, mas por absoluto desconhecimento de causa. Não pertencia a nenhuma organização revolucionária. Não sabia nada sobre o seqüestro.
Escapei dessa situação pala coragem pessoal de minha mãe que driblou os imbecis fardados que foram me prender e consegui fugir de casa nas barbas da turma do Ministério da Aeronáutica que, naquele momento, ao invés de dedicar-se a cumprir sua missão constitucional de proteger nossas fronteiras, prendiam, torturavam e matavam estudantes. Tive também a ajuda do Coronel Aviador Afrânio Aguiar que empenhou-se até a medula para que não fosse preso e massacrado na Aeronáutica. A ele dedico meu filme mais recente Utopia e Barbárie. Sem ele, dificilmente estaria contando essa história hoje aqui. Outras pessoas também me ajudaram a sair vivo dessa história mas como não tenho autorização para citá-los e estão vivos, guardo nomes e lembranças no coração.
Em 1970 fui viver no Chile por livre e espontânea vontade. Saí do Brasil legalmente com passaporte, ainda que tenha ido ao DOPS explicar por que saía do Brasil. Eles sabiam as razões pelas quais saía (como é cantado na música, "Não queria morrer de susto, bala ou vício"). Em Janeiro de 1971,do Chile, mandei uma carta para minha mãe, trazida por uma portadora, senhora de boa cepa, que fora visitar o filho no exílio em um gesto humanitário se ofereceu, ingenuamente, para trazer correspondência para os familiares dos exilados . O gesto lhe custou prisão e "maus tratos" nas dependências da aeronáutica.
Na carta pedia a minha mãe que me enviasse livros e minha máquina de escrever. A carta foi entregue em Copacabana por militares do Dói-Codi que arrombaram minha casa, arrombaram móveis a procura de metralhadora (Assim entenderam "máquina de escrever"). Minha mãe foi levada para o quartel da PE na Barão de Mesquita, onde foi humilhada e um dos "patriotas"que a conduziu assumiu de forma permanente a guarda do
relógio que entrou com ela na PE e não voltou para casa.
Amigos ocultos numa rede de gente decente ajudaram a tirar minha mãe daquela filial verde oliva do inferno. Sim ministro, havia muita gente decente nas forças armadas ou que gravitavam em torno dela e que faziam o que podiam para ajudar pessoas. A maioria, prefere, até hoje, não revelar seus gestos por medo dos que praticando atos dignos dos piores momentos da máfia intimidam e atemorizam pessoas de bem. Pior
do que o relógio foi o destino do ex-deputado Rubens Paiva que foi preso no mesmo dia e nunca mais encontrado.
Os senhores fazem muita questão mesmo de proteger os canalhas que seqüestraram e assassinaram o ex-deputado pelo crime de ter recebido correspondência pessoal de exilados no Chile? A quem interessa essa “Omertá"? Ministro, para esses crimes não há justificativa e menos justificativa para o acobertamento dos criminosos.
O que leva a chefes militares e o Ministro da Defesa a se pronunciarem contra a apuração de crimes? Tortura, estupro, morte, muitas vezes seguido de roubo, são atos políticos passíveis de anistia?
Desculpe a franqueza, mas não consigo entender. Em nome do futuro democrático do Brasil , espero que a banda podre, montada no Dragão da Maldade, não saia vitoriosa.
No meu caso, ministro, posso lhe dizer que não há dinheiro que feche essa conta. Não pedi anistia nem indenização porque acho que não sou merecedor (nunca fui exilado, nunca me apresentei assim). E vivo bem com meu trabalho de cineasta há quarenta anos e professor universitário há 31. Se fosse pago com recursos dos bandidos, aceitaria de bom grado. Recursos públicos não.
Cada centavo que aceitasse, me sentiria roubando de uma criança ou de um homem ou uma mulher humildes que precisam mais desse dinheiro numa escola pública, num posto médico, do que eu. Não recrimino quem, por necessidade ou sentimento de justiça, o faça. A reparação que peço é a punição exemplar dos torturadores da minha mãe. O senhor há de concordar que não estou pedindo muito nem nada despropositado. E quando digo que penso no futuro e não no passado é porque a punição exemplar de criminosos desestimulará semelhantes práticas no futuro e terá uma função pedagógica para os que caiam em tentação de uso indevido dos poderes do Estado, que entendam que não vivemos no país da impunidade.
Justiça, peço apenas justiça.
Bom 2010 para o sr.
Atenciosamente
Silvio Tendler
P.S. Falamos de tanta coisa mas esquecemos de comentar dois crimes cometidos depois de 1979 que já não estariam cobertos pela lei de anistia: O assassinato de D. Lyda Monteiro da Silva, secretaria do Presidente da OAB e a mutilação do jornalista José Ribamar em 1980 e em 1981a bomba que explodiu no Riocentro que causou a morte de um sargento e graves ferimento no Capitão.
Imagino que enquanto advogado, o quanto lhe repugna o assassinato da secretária do Presidente da OAB e a mutilação de um jornalista. Tantos anos decorridos talvez ainda seja possível descobrir "os comunistas" responsáveis pela bomba do Riocentro, como concluiu o vexaminoso IPM instaurado na ocasião.
Por falar em comunistas, movimento que condenava a luta armada, o que dizer do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho e do desaparecimento do dirigente Davi Capistrano? Seus assassinos terão imagem, nome e sobrenome ou continuarão protegidos por este exército das sombras?