quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O baile de máscaras

O desfile começa cedo, mas tão cedo não cessará. Qual máscara hoje eu devo usar?
A do riso - não há escolha melhor. Pois a da dor afasta, a do medo causa angústia, a da razão é egocêntrica. Mas não me sinto confortável com a máscara do riso hoje. Devo ficar em casa, penso.
Não posso, o dever me chama. Preciso me decidir. Não há tempo.
Decido pela máscara do riso. Saio. Encontro outras máscaras no dia cinza de novembro.
A minha começa a pesar.
Receio não ter feito a melhor escolha ou receio por ter decidido usá-la? Não é meu costume. E agora? Joga-se o jogo.

O baile começa sem hora pra acabar.



quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"Sem a música, a vida seria um erro"

Certa vez, como é bem conhecido, Nietzsche disse que "sem a música a vida seria um erro". Taí a prova:


O vídeo registra a última apresentação de Paulo Moura. O palco é a clínica carioca em que ele estava internado. O maestro morreria dois dias depois. Seu último sopro foi na boquilha do clarinete.


domingo, 11 de julho de 2010

errata da apresentação:

menos que um projeto, um esboço.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

"¿No es mejor nunca que tarde?"

(Pablo Neruda, Livro das perguntas)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

[...] Prisão perpétua de existir entre estes dois braços, dentro do mesmo corpo até o findar da eternidade lacônica da carne.

Copa

juro que eu que muito pouco acompanhei futebol na minha vida, eu que não comemorei o penta campeonato, que não entendo este esporte, que chamo a torcida de histeria nacional, juro que agora fiquei desnorteada.

Não sei sambar, não sei batucar, não jogo bola, mas sou brasileira, pois sofri com a copa.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Nepal

AVISO: Há notícias de que os telefones do país podem dar choques elétricos.

sábado, 19 de junho de 2010

"A vida inventa! A gente principia as coisas, no nao saber por que... e desde aí perde o poder da continuação - porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada."
~
Riobaldo/Tatarana

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Quem vive, é que sabe"

Dona Maria de Lourdes
(minha vó)

"como espírito, o homem não vive mais que uma hora por semana".

S. Kierkegaard

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Assim como a natureza se inclina para o outono, também o outono vai me envolvendo e tomando conta do meu ser.

Goethe - Os Sofrimentos do Jovem Werther.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Depois de um dia difícil

Não me lembro quem é Gibbons, mas, infelizmente, lembrei dessa frase hoje.



O poder da instrução é raras vezes eficaz exceto para aqueles felizardos para os quais ela é quase supérflua.

Gibbons

terça-feira, 8 de junho de 2010

Serviço de utilidade pública

Decidi hoje abrir espaço nos meus posts - geralmente pautados por análises poucos profundas de temas banais - para uma propaganda gratuita. Juro, entretanto, que não me pagaram jabá. Os mais afoitos dirão, então, que é só uma maneira de fugir da labuta. Eu não nego, e continuo.

Pois bem, amanhã será inaugurada uma nova sala de cinema na ilha, a Paradigma Cine Arte. Apesar do nome um pouco pretencioso, talvez uma homenagem ao velho camarada Jakobson, o lugar parece ser interessante. E será até que infindável reforma do CIC termine, uma opção á guerreira solitária, a sala de cinema do Centro Cultural Sol da Terra.

A parte deplorável fica por conta da localização: Centro Empresarial Corporate Park, na SC-401, 8.600, Santo Antônio de Lisboa, sala 2, bloco 8. O leitor desatento não se engane, ele não fica de frente para o mar ou do lado de um restaurante de San Antonio. Fica no meio da SC, onde o ônibus passa rachando a cada 40min.

Além disso, a data de inauguração foi um pouco mal escolhida. Temos o FAM, logo na semana que vem. Em todo caso: http://www.paradigmacinearte.com.br/

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Armação

O mar que outrora beijava as areias brancas,
e os pés das moças faceiras que caminhavam despreocupadas,
lança-se caldaloso e imponente contra as rochas depositadas às pressas.
- Gente estúpida! Te invade e ainda persiste com a ilusão de poder te controlar!

Doce mar...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ode

Que fazes tu dos negros olhos
a mirar o mar, que temido
agora infuso se recolhe,
a espumas retrair olvidado
de Chronos antigo?

Vê que o navegante isso sabe,
que dessa convulsão de ondas
nada se vê, desconhecida
longitude das muitas ressacas
de si afogadas.

terça-feira, 1 de junho de 2010

poema do escudeiro

arre,
que eu não sou louco!

minha alma plebéia
não é devotada a nenhuma dulcinéia
e muito pouco
me permite sonhar.

se digo que os gigantes
são os moinhos de antes,
se deixei casa e família,
foi para ganhar minha ilha,
apesar da certeza (calada)
de que ela esteja desde sempre afogada
nas profundezas do mar.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Coleção

Minhas mais novas aquisições:

1. Mesa-redonda sobre Negros e Negras na Argentina e no Brasil;

2. Palestra sobre a variação da norma padrão do Português do Brasil.

Alguém tem alguma repetida pra trocar?


quinta-feira, 27 de maio de 2010

A pesada consciência do pós-marxismo.

Depois de muito pensar na quinta-feira eu fui para a manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus de carro (contradição n1). Quando cheguei lá me lembrei de buscar um documento numa repartição das redondezas antes de ir protestar (contradição n2). Depois de feita a tarefa burocrática eu deixei por precaução o documento no carro, e, por via das dúvidas o, lenço também. Quando, finalmente, me dirigi para o local da manifestação, a manifestação não estava lá. Fiquei aliviado (contradição n3).
Segunda-feira caminhando tranquilamente da casa de um amigo em direção a minha casa, eis que encontro a manifestação no meio do caminho. Engoli seco e passei olhando com o cantinho do olho. (contradição n4).

"Passam os dias, permanece a contradição."

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Fato verídico

... e isolado do resto. Cada post, uma ilha!

Ele estava a toa quando a viu passar. Era uma garota bem arrumada, com passos apressados, postura determinada, uma pasta e alguns livros na mão. E ali, mais ou menos ali, entre a pasta, os livros, os braços cruzados e o ombro coberto, apoiava-se, de cabeça pra baixo, uma vassoura. Era uma imagem curiosa aquela que se projeta e ansiava em passar depressa por ele. Esse objeto desengonçado, o característico utensílio da dona de casa, simplesmente não cabia ali - não se encaixava.
Olhou em torno, para as outras pessoas que matavam seu tempo ao redor, no intervalo das aulas, mas ninguém parecia notar a cena destoante. Será que os outros não prestavam atenção? Ou quem sabe achavam aquilo completamente normal e passível de acontecer em um dia como qualquer outro naquela universidade? Chegou a cogitar se a visão daquela vassoura não era obra de sua imaginação. Enquanto pensava, a garota tomava a direção da direita, entrando no refeitório apinhado de gente. Perdeu-a de vista, então. E agora? Nem lhe houvera tempo para chegar a uma conclusão; para flagrá-la incomodando-se com aquele objeto estorvante; para correr até ela e talvez oferecer-lhe ajuda, como quem não quer nada. Jamais encontraria um porquê. Teve que se conformar: a garota se transformava agora em um bom conto para escrever.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Vontade

Quando criança, a vontade dela era de desbravar o mundo;
na adolescência, a vontade era de encarar o mundo;
na fase adulta ela tem vontade de abraçar o mundo.

Baixinho, ela implora ao tempo:
- Desta vez, por favor, não seja tão fugaz.

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades..."

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ecologia

Um peixe nada na calçada. Não um qualquer: uma carpa. Gorda. Enorme.

Alguém aí tem um balde, de preferência cheio d'água? É preciso afogar o canalha e, assim, salvar o mundo, que gira fora de seus gonzos.

Quimeras

Democracia e liberalismo são mutuamente excludentes.
Enquanto a democracia diz "tu podes, se tu deves", o liberalismo diz "se tu queres, tu podes". E é desse odioso hymeneu que nasceu a política moderna; aliás, um eufemismo para briga de comadres.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Musicologia

Ao pedirem que explicasse um difícil étude, Schumman sentou-se ao piano e o tocou novamente.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Definição

Caridade é exorcizar demônios aposentados.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Colonização

na mais interior geologia,
eivada de sangue
e de ti,
prosperam potosís de alegria.

quanta iniquidade eu já não fiz?
quantos corpos de negros escravos não moí
para fartar as naves imensas
da ganância de ser feliz?

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Alívio copernicano

Eram 15h.
- Bom dia, disse um senhor.
- Bom dia, respondi.
- Bom dia, disse de novo.
- Bom dia, respondi.
- Sim, porque é dia. Não existe “boa tarde”, muito menos “boa noite”. Se tu estiveres na rua a uma da manhã e tu encontrares alguém, tu dirás “bom dia” ou “boa noite”?
- Boa pergunta. O que eu deveria dizer?
- Bom dia. Não existe noite. A terra é redonda. O que existe é sombra. Mas, tenho que ir. Devagar, minhas pernas cansam rápido. Bom dia.
- Bom dia.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Paulinho da Viola

voz transparente
e triste
e quase morta:

porta
de papel de seda,

enciclopédia de papel de seda:

entreaberta,
exala um cheiro:
verbete que a define.

este
verbete:
verbo pequeno
e transparente
e triste
e quase morto.

ser assim é, no entanto, a sua força
— a que cava o leito do rio que passa em nossas vidas:
remotas batucadas.

domingo, 9 de maio de 2010

Qualquer coisa I

A falta de delimitação temática deste blog me causa, também, inquietamento. Parece mais difícil escolher quando a escolha não é feita entre duas, mas entre possibilidades infinitas. Me sinto tão atônito aqui, quanto quando vou ao supermercado comprar um simples shampoo e fico minutos escolhendo entre as infinitas variações do mesmo – acredito que eles embalam a mesma sopinha em plásticos de diferentes cor e tamanho.

Quando a aeromoça de uma viagem de avião – a única que fiz que teve janta – perguntava quase gritando com o sotaque canino dos anglo-saxões “beef or pasta!?”, a escolha era bem mais fácil, era imediata, por impulso, um segundo fazia diferença entre receber a amorfa refeição ou causar a fúria da ex-sex-symbol sexagenária. Eu, rapidamente, percebi qual dos males era o menor.

Aqui no blog a atonicidade frente ao escolher entre infinitos temas é agravada, ainda, pela falta de limite temporal objetivo – claro existe a obrigação semanal de escrever aqui, mas qualquer desculpa é válida para que nos furtemos dela. Esse post que faço agora, está 5 dias atrasado.

De qualquer coisa para qualquer coisa, entretanto, há uma diferença de interpretação. Claro, também, acredito perder o desafio, aquele de escrever sobre qualquer coisa. Porém, tal como quem aceita brincar de associação livre, acredito que ganho aquele outro desafio: o de enunciar a mim mesmo. Ou melhor, adquiro o desafio de suportar a perenidade do texto que escrevo aqui que, ao contrário da fala na associação livre que acaba no exato momento que surge, pode restar eternamente.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

síntese



(em defesa do texto visual)

SAUDADE

Viajar é uma experiência fascinante. Sobretudo, quando no local para o qual você viaja, existem pessoas que falam uma língua irmã à sua. Palavrinhas mágicas vão sendo aprendidas e algumas outras nem se precisam aprender, são iguais.

Há na experiência de conhecer uma nova cultura, um novo povo, um novo idioma, inúmeras vantagens. Uma delas, seguramente, é o aumento da possibilidade de significar as coisas no/do mundo. E quando as coisas do mundo são, especialmente, sentimentos, essa experiência torna-se ainda mais rica.

Maneiras distintas de mensurar o tempo também fazem parte dessa grande experiência. Como alguém pode pensar ou medir o tempo de outra maneira que não aquela que minha língua expressa? Aquela que sempre existiu pra mim? Perco tempo com essas questões...

Afinal, que é o tempo?

A língua que mede aquele tempo, certamente, não poderia originar uma palavra que dá conta do sentimento de querer que este tempo corra depressa.

Ergonomia, Horácio!

Acabo de notar que a tela do computador em que escrevo está assentada sobre uma pilha de livros. Não fui quem que os colocou ali, de modo que só posso especular sobre as intenções de quem o fez.

A motivação principal é, provavelmente, ergonômica: trata-se de, com os livros, elevar a tela até a altura dos olhos do usuário.

Mas isso talvez não explique tudo. Os livros, é preciso acrescentar, são, a rigor, sucessivas edições de uma revista especializada, a Letras Hoje, da PUC do Rio Grande do Sul. Suas capas são todas da mesma cor — verde — e seguem a mesma padronagem. Tudo isso me leva a concluir que a escolha dos volumes foi orientada por um critério estético.

O terceiro motivo, suponho, é epistemológico.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Qualquer coisa

“Escreva sobre qualquer coisa”, foi o que me responderam, depois de feita a temível pergunta “Sobre o que escrever?”. Tomo a resposta ao calcanhar da letra e aceito o desafio de escrever sobre “qualquer coisa”. Primeiro, é preciso suspender qualquer possibilidade metalingüística, pelo simples fato de que não há tal possibilidade. Deus talvez possa falar da língua dos homens, mas, nós mortais temos apenas uma linguagem. Falar metalinguisticamente é falar tautologicamente, i. e. dentro de um mesmo sistema, pois seriam necessárias novas referências para sustentar novos conceitos, e novos conceitos não dispensam a linguagem. Uma formalização não traduzida para uma linguagem ordinária continua a ser apenas uma série de símbolos autológicos: são signo e referência. “Qualquer coisa” é qualquer objeto, mas não é um objeto qualquer. Sua indefinição repousa justamente nos limites do que não pode ser definido, portanto seu limite é a definição. Mas não há termo a esta definição. Abandonamos nossa teoria? Absolutamente não; desde que o termo seja fim, feche uma totalidade. Assim, “qualquer coisa” continua a ser qualquer coisa. Mas, o que? Do que falamos até agora? “Qualquer coisa” é alguma coisa. Sim, mas como se pode falar de alguma coisa indefinida, ou antes, como se pode predicar indefinição de alguma coisa? A indefinição é a negação de uma definição, portanto de alguma coisa. Não pode ser isto ou aquilo outro, mas uma indefinição. Falamos do que não se conhece? Mas como se pode falar do que não se conhece? Se a linguagem permite que se cometa tal absurdo lógico, então existe outros interpostos pelos quais passa que não apenas signo e referência, já que se fala de algo pro qual não há referência. Ou, acaso pode-se apontar para "qualquer coisa"? Não, pois mesmo que se pudesse, ao apontar para "qualquer coisa", “qualquer coisa” deixa de ser o que é para ser qualquer coisa apontada. O ato de apontar dá um contorno para “qualquer coisa”. Há, no entanto, um uso de “qualquer coisa” que talvez possa lançar objeções ao que se disse: quando alguém diz, “Escolha alguma coisa”, “Mas o que?”, “Bem, qualquer coisa!” Nesse caso “qualquer coisa” se define por alguma coisa de um conjunto de coisas que estão em um lugar, e este é o máximo a que definição pode chegar. Há um termo para ela. Como se vê, este não é o caso. Se a linguagem permite falar de algo pro qual não há referência, então não faz sentido falar em termos metalingüísticos, pois ela, por si só, já ultrapassa o âmbito dos objetos; visto que a linguagem não é um simples apontar para eles, como queriam os gênios inventores do mundo de Gulliver, falar metalingüisticamente é fazer meta-metalinguagem; é objetificar algo que já é capaz de criar objetos, e que, por isso, possibilita que haja metalinguagem. Entretanto, do que fala a metalinguagem? Tudo se torna um imenso jogo de espelhos. Não se pode falar de um objeto objetivamente."Qualquer coisa" é um objeto da linguagem, mas não do mundo. Só podemos falar de “qualquer coisa”, porque não temos o mundo. E perco o desafio, se desde o início (não) falei de nada.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cinema


De 11 a 18 de maio, um mês antes do 14º FAM, a organização do festival, em parceria com cineclubes locais, preparou uma mostra itinerante com os filmes ganhadores do Troféu Panvision da edição de 2009, nas categorias Curtas Mercosul 35 mm, Vídeos e Infanto-Juvenil. Na programação estão produções que receberam diversos prêmios, como Os filmes que não fiz, de Gilberto Scarpa, de Minas Gerais, o melhor curta-metragem, e o catarinense Ângelo, o coveiro, de Renato Turnes, melhor vídeo do festival.



o texto

Parece que no nosso mundo (acadêmico) tudo é o texto.
Não passa por ele. Não é por meio dele. Simplesmente é o texto.

Hoje defendi o texto.
O texto como entidade.
O texto como detentor da ideia. Detentor do homem, da essência.
O texto como caracteres bem postos, cheios de si.

Por que devo me importar com o número de exclamações ou as reticências?

O texto que me trai. O texto que não domino. O texto que não entendo.
Mas é o texto que cada vez torna-se o nós.

Estavam dois bolsistas como os dois pinguins de uma tira da revista Piauí.
Cada um em seu computador, lado a lado, e um bolsista perguntou para o outro "você viu o que eu twitei?". O outro responde "agora estou fazendo um scrap, já te respondo". Os pinguis eram blogueiros, os bolsistas eram pessoas de seu tempo, comunicando-se como todos os outros. A piada se perde, pois é apenas o mundo normal.

Será que este é o mesmo texto que defendi hoje?
Será que este é o mesmo texto que cobram tantas vezes por sua "falta" de domínio?

E se o texto torna-se o nós, como podemos ter o texto tão frágil?
Que nós somos?

terça-feira, 4 de maio de 2010

Por trás das letras

"Se você não gosta de poesias, não leia". Essa foi uma frase dita por um professor aos alunos durante uma aula. Tenho dúvidas se ele tentou aguçar a curiosidade ou desestimular de vez aqueles que não gostam desse gênero literário.
Não farei críticas ao que foi dito apenas deixarei reflexões:
Você leria poesia se não gostasse?
Quantas vezes você leu algo que não gostou e mais tarde teve descobertas agradáveis através dessa leitura?
Em meu humilde ponto de vista, sou a favor do incentivo a qualquer gênero literário. Poesia é um dos gêneros literários que mais aprecio, então sou suspeita, mas na verdade só pretendo deixar um relato sobre uma leitura que não apreciei muito e após tê-la concluído descobri algo mais: a beleza na arte de Honoré Daumier.
Mesmo não sendo uma expert em artes plásticas ou artes visuais, como preferirem denominar, ainda posso ter o prazer de apreciá-las e ver além do desenho a intertextualidade presente na obra do pintor. E isso eu só pude perceber após ler o clássico Dom Quixote.
Confesso novamente: não gostei. Somente após ter feito uma apresentação sobre a obra, em que eu precisei relacioná-la à pintura, que passei a gostar. Apresentei à classe Honoré Daumier, um dos pintores que representou Dom Quixote de maneira peculiar. Muitos outros renomados pintores retrataram "o cavaleiro de triste figura", no entanto, Daumier inovou na cor e na luz de sua pintura dando a ela um aspecto aéreo e disforme, o que caracterizava muito o nosso herói/anti-herói Dom Quixote. Além disso, Daumier retratou muito do personagem idealista e sonhador que havia nele mesmo. O pintor emocionou- me e repensei a obra literária.
Talvez um dia eu até possa dizer a algumas pessoas para não lerem romances, epopéias, poesias, ou qualquer outro gênero que elas não apreciam, porém, meu discurso será outro: "Não leiam se não gostam de tal gênero, mas vocês não saberão o que poderiam ter encontrado (ou não) nessa leitura".

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Máxima do mês

"A impaciência também tem os seus direitos"

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Leitura do mês

Lavoura Arcaica: romance sobre a força das palavras — ou, quem sabe, sobre a fraqueza dos homens em face delas.


quarta-feira, 28 de abril de 2010

Para conversar, o diálogo é necessário.

Para conversar, o diálogo é necessário.

Somos mudos diante das caixas de luz.
Somos cegos diante dos corpos foscos.
Somos tristes na surda escuta dos gritos do almoço.

Cansa a escrita sem fim, do livro sem propósito, para o leitor inexistente, rabiscada com a nula estilística, utilizando-se do escárnio do seu próprio ser que não se mostra detentor de graça.

Falta-nos objetivo,
fecharmo-nos na caixa não nos é visto como tal.
O que acontece lá fora?
Não há ilha.
Não há olhar.

Com o sono, fecham-se as pálpebras.

terça-feira, 27 de abril de 2010


"o quarto é inviolável, o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral..."

Sempre quis saber expressar o que sinto quando retorno ao meu recôndito lugar depois de um dia exaustivo, nublado.

Mas hoje o sol reapareceu após dias de chuva!
O sol brilhava, mas era lá fora.

E quando finda o dia, um pouco mais tarde, reencontro o meu quarto, meu grande pequeno mundo. INVIOLÁVEL quarto interior.

Quarto templo onde recarrego as energias.

Graças ao dia, à noite, ao quarto, aos grandes escritores como Raduan Nassar.

Oxalá comece em maio.

Para conversar com o último post, utilizando os dez minutos que me restam aqui na repartição.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Espelho

Considero este blog um blog espelho do modelo de onde está inserido: respeita os recessos escolares, independente da dinâmica do mundo da internet, responde apenas ao seu superior imediato, fechando-se em seu regime. Salve, salve as universidades.
Cá entre nós, eu sempre achei que o ano só começa em meados de abril.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O terceiro elemento

Alguém – não se sabe quem, nem em nome de que motivos – teria entrado no apartamento 62 do Edifício London e, ato contínuo, agredido e defenestrado a menina Isabella: isso é tudo o que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá tem a dizer em resposta ao estupendo conjunto de evidências que pesam sobre eles. Como peça jurídica, a tese da terceira pessoa é, de fato, puro lixo. Não obstante, talvez seja o caso de, na esteira da psicanálise, remexer um pouco esse lixo. Freud, afinal, ensina que a verdade do sujeito emerge precisamente lá onde ele se põe a dizer bobagens (é esse o sentido maior do que o mestre vienense chama de livre associação: “Diga qualquer coisa, de preferência o que primeiro lhe ocorrer, não importa o quão tolo ou frívolo isso lhe pareça”.)
* * *
Um suposto assassino sem identidade nem razões minimamente delimitadas: bizarro retrato falado. Salvo engano, qualquer habitante do planeta – menos Alexandre e Anna Carolina, é claro... – enquadra-se na descrição por eles proposta. Parece piada: a propósito de livrar a própria cara, os Nardoni pedem nada menos do que o indiciamento da humanidade.
* * *

Parece piada, mas não é. A rigor, essa solicitação de indiciamento da humanidade tem algo de apavorante: ao enunciá-la, Alexandre e Anna Carolina separam-se e distinguem-se, não deste ou daquele grupo, mas dos homens e mulheres em geral. Ao continuar a ser repetida (a despeito de sua irremediável inconsistência), a tese da terceira pessoa revela-se cada vez mais como expressão de um racismo hiperbólico, dirigido não aos negros, aos judeus ou – que sei eu? – aos homossexuais, mas à humanidade como um todo.
* * *

Como puderam os Nardoni matar aquela que deveriam proteger? A seqüência dos acontecimentos o esclarece: um ato tão absurdo é possível porque advém do lugar de um narcisismo e de um egoísmo tamanhos que, em seguida, como se fosse a coisa mais trivial a ser feita, afirma-se contra todas as almas deste mundo. Eu e o leitor que tratemos de conseguir um álibi capaz de provar nossa inocência.
* * *

Isto posto, é preciso dizer que reduzir os Nardoni a duas figuras monstruosas, inumanas, não é a finalidade deste artigo. Proceder assim seria simplesmente inverter o gesto do casal de elevar-se acima do comum dos mortais. Que eu seja entendido: os Nardoni fizeram algo escabroso e devem pagar muito caro por isso. Mas segregá-los em uma prisão não pode ser o mesmo que realizar pelo avesso o seu desejo distinguir-se da humanidade. Se há uma punição realmente eficaz para Alexandre e Anna Carolina, ela consiste em interditar-lhes a tentativa de permanecer entre as quatro paredes de seu narcisismo. É urgente insistir em dizer-lhes: “A despeito do alto juízo que vocês fazem de si mesmos e apesar do crime que cometeram e da execração a que isso necessariamente corresponde, vocês são humanos e não podem não sê-lo”. Creio que não há castigo maior para eles. O fato, contudo, é que, em contrapartida, há um preço que todos devemos pagar a fim de, nesse caso, poder fazer justiça, imputando aos Nardoni a pena que realmente merecem: impedir-lhes o desejo de distinguir-se do comum dos mortais implica, por outro lado, reconhecer que, por pouco que seja, há um que de Nardoni e Anna Carolina em nós. O exercício é doloroso, mas precisamos buscar, não apenas o que singulariza o casal, mas também o que, nessa dupla diabólica, é marca de humanidade e sinal de pertencimento a este nosso mundo.
* * *

Jurandir Freire Costa pode ser nosso guia nessa tarefa. Para ele, está claro que o caracteriza a vida contemporânea é o enfraquecimento da lei como instância capaz de mediar as relações entre os sujeitos (aqui, entende-se lei em seu sentido formal, mas também em sentido amplo, como código moral ou tradição a ser seguida). Contardo Calligaris completa a tese de Freire Costa: a civilização depende e continua a depender da internalização da autoridade (é o que nos impede de nos matarmos uns aos outros sem que a presença de um policial seja necessária); mas, em sua forma moderna, essa internalização da autoridade ocorre ao preço do recalque de sua origem exterior. Trocando em miúdos, não é que o sujeito recuse a lei em si ou pelo menos a totalidade delas; o que ele faz é submeter essas herança recebida a uma espécie de tribunal interno que decide o que lhe serve e o que não lhe serve. Em suma, ele filtra e privatiza um legado social.
* * *
A face positiva desse processo é a promoção do indivíduo e da possibilidade de cada um de nós experimentar um destino profundamente singular. Isso está vedado a sociedades em que a lei, não importa quão dura e restritiva ela seja, é tomada pelo sujeito como um valor que está acima de seus desejos individuais.
* * *

Mas é necessário acrescentar que o individualismo moderno tem uma contraparte negativa, arriscada, perigosa: deixar a cada um a decisão sobre o que é justo ou injusto é habitar um mundo em que é rigorosamente impossível saber até onde o nosso semelhante pode agir com a consciência tranqüila.
* * *

Esse estado de coisas produz o que Jurandir Freire Costa chama de cultura da violência: na medida em que não sabemos até onde o outro pode agir sem culpa, isto é, na medida em que o outro – qualquer outro – é um agressor em potencial, resta-nos antecipar-nos a seu ataque: somos desde logo agressivos com ele.
* * *

Cultura da violência, cultura do narcisismo: a agressividade preventiva como forma de relacionar-se com o outro inviabiliza o diálogo, imergindo o sujeito em um mundo radicalmente privado, no qual pensar – o que, na brilhante fórmula de Hannah Arendt, é sempre colocar-se no lugar do outro – torna-se cada vez mais uma impossibilidade. O limiar desse processo é Alexandre Nardoni, encarnação do que a própria Hannah Arendt chama de banalidade do mal, quer dizer, do mal que provém, não das profundezas da patologia, mas da superficialidade de quem é simplesmente incapaz de tentar ver o mundo pelos olhos do outro (ainda que esse outro seja, no limite, a própria filha).
* * *

Margareth Thatcher, ex-primeira ministra inglesa, disse certa vez que “não existe essa coisa chamada sociedade; o que existe é o indivíduo”. Esse não é um pensamento isolado. É uma insígnia de nosso tempo. A maioria de nós está disposta a ir bem longe nessa defesa da própria liberdade e da própria singularidade, sobretudo quando se trata de preservar os nossos direitos de cidadão (e, principalmente, de consumidor) ou de contrariar os limites e taxações que o Estado, por razões legítimas ou ilegítimas, impõe sobre nós. Essa luta em nome do desejo individual freqüentemente parece muito bonita e de fato o é em inumeráveis casos. Mas há que se dizer que é contínua a linha que liga esse bom combate a um narcisismo imbecilizado e aberto aos atos mais aberrantes. A violência e a morte rondam o individualismo moderno. Ser indivíduo, insisto, é estar sempre a esgarçar o lugar da lei, isto é, do terceiro que medeia e organiza as minhas relações com meus semelhantes.
* * *

Do que eu disse resta concluir que tudo o que faltou na cena do crime de Isabella é um terceiro elemento, quer dizer, uma instância mediadora que se interpusesse entre os Nardoni e Isabella e fizesse aquele homem e aquela mulher enxergar que há coisas que simplesmente não se pode fazer ao outro. Os Nardoni – figuras exasperadas do individualismo moderno – passaram a vida a exorcizar esse terceiro por cuja presença eles agora clamam.
* * *

Pois bem: o terceiro, enfim, chegou. Veio tarde demais para salvar Isabella, mas alcançou os Nardoni a tempo. Não veio sob a forma que o narcisismo deles queria, quer dizer, na pessoa de alguém que assumisse, no lugar de Alexandre e Anna Carolina, o crime que cometeram. Veio, isso sim, na carne de um juiz que os declarou culpados e condenou aqueles que exerceram o narcisismo até o limite a viver como prisioneiros, grau zero da individualidade moderna. Que isso sirva de lição. A eles. A nós.

quarta-feira, 10 de março de 2010

um dia e depois outro

o sol sempre vem depois da tempestade, mas a ilha não me convence que vai mudar. Dentro das casas o pó de ontem continua no mesmo lugar.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

"Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal"

Faz um tempo que recebi um e-mail (e isto deve ter sido notícia) sobre os suicídios na France Télécom. Agora recebi um link sobre o fenômeno suicídio no trabalho. Vale ler e pensar.

Entrevista a Christophe de Dejours

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

na grade de horários

descobri que em 2010 os estudantes que gozam do direito do desconto no transporte público não gozarão mais da liberdade de ir e vir, pelo menos não utilizando seus cartões pré pagos e limitados, a bel prazer da curta gama de horários da tabela de carros coletivos.

Explico-me: todos terão seus horários de utilização do chamado passe escolar limitados pelo seu turno de estudo. Deixando os caprichos de lado, pois nunca mais meia entrada no cinema, já que o dinheiro só da pro ônibus, será que alguém avisou pra quem pensou nisso sobre os trabalhos em grupo ou na importância de utilizar os espaços coletivos das instituições de ensino como as bibliotecas ou até mesmo as quadras desportivas?

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Avatar de Titanic

Titanic, do diretor americano James Cameron, é atravessado por uma monumental contradição. Por um lado, a par da história de amor que o anima, o filme, reproduzindo a moral desde sempre associada aos relatos a respeito do naufrágio do famoso transatlântico, denuncia a moderna crença na onipotência da técnica. Por outro lado, recorrendo despudoradamente aos chamados efeitos especiais, Titanic é precisamente um delírio tecnológico, um elogio maníaco à capacidade humana de dominar a natureza. Sintomaticamente, o título da obra é, sem mais, o nome do navio. Freud explica: o que inicialmente se apresenta como reflexão sobre o passado é, no essencial, sua repetição.
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Avatar, a mais nova produção de Cameron, retorna aos temas centrais de Titanic: uma vez mais, ao menos no campo das intenções declaradas, trata-se de propor uma discussão acerca do limites da ambição humana e da necessidade de harmonizá-la com a natureza, suas leis e seus caprichos. Tal projeto, de novo, é ameaçado pela paixão de Cameron pela tecnologia, a começar pelo fato de que, como em Titanic, a comoção que o roteiro é capaz de provocar está, na melhor das hipóteses, a um milímetro de ser neutralizada pelo apelo fascinante das imagens criadas por computador.
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A própria trama de Avatar revela, de resto, o quão problemática e vacilante é a ecologia de Cameron. É verdade que, no filme, os Na’vi – seres extraterrestres profundamente identificados com a natureza – triunfarão sobre os humanos, a despeito da radical desvantagem tecnológica que os oprime. De fato, na undécima hora, quando tudo parece perdido, a sintonia dos ETs com a fauna local deflagra uma autêntica revolução dos bichos, e a derrota iminente transforma-se em vitória acachapante. Contudo, basta um minuto de reflexão para que se ponha em xeque essa aparente supremacia das forças telúricas sobre o impulso de subjugá-las.
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“Vistas de perto”, diz um certo personangem de Sartre, “as vitórias se parecem demais com as derrotas”. Ora, a máxima cai como uma luva para caracterizar o resutado da batalha concebida por Cameron. É que o líder do triunfo dos Na’vi é um avatar, isto é, um homem tecnologicamente transformado em Na’vi (com fins científicos e, secretamente, militares). O recado, salvo engano, é claro: a natureza, doravante, é, em última instância, uma concessionária da tecnologia. O fato de, no fim do filme, o avatar escolher converter-se definitivamente em Na’vi não muda nada. Sim, os Na’vi tem uma relação especial com os animais e as plantas – mas, a partir de agora, estão indissolúvel e visceralmente ligados aos humanos e, em particular, à história das tecnologias. O melhor que podem fazer é reconhecer essa ligação e fazer dela um objeto do que Freud chama de elaboração. A decisão dos Na’vi vai, contudo, em outra direção: trata-se, para eles, de recalcar o vínculo com a humanidade (lembre-se de uma das cenas finais do filme, em que os humanos que sobreviveram à luta são expulsos sob o olhar altivo e confiante dos Na’vi). Ato contínuo, se a psicanálise tem razão, resta aos ETs esperar pelo retorno do recalcado. Suas vidas – podemos adivinhar, embora o filme, não por acaso, tudo nos sonegue a esse respeito – nunca mais serão as mesmas. A técnica humana, doravante, é o diabo, isto é, o deus secreto que, das profundezas do planeta que habitam, governará seus destinos. Os Na’vi venceram a batalha, mas perderam a guerra.
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Avatar parece um elogio da natureza, mas, de ponta a ponta, no enunciado e na enunciação, é, na verdade, um canto de vitória da técnica humana. Em um nível superficial, a moral do filme recomenda a integração urgente com a natureza. Não obstante, sob essa casca ecológica, ouve-se uma outra mensagem – esta: “Os Na’vi podem ser umas gracinhas, mas não chegam aos pés dos humanos. Do jeito que vivem, apesar de as aparências sugerirem o contrário, não podem se cuidar sozinhos e, principalmente, jamais serão capazes de produzir objetos tão fascinantes como Avatar.” E a verdadeira moral do filme continua: “Por nada deste ou de outros mundos, abriremos mão desse fascínio, nem mesmo se o preço pelos prodígios da técnica for, como é o caso, a possibilidade sempre presente de transformar nossas maravilhosas geringonças em absurdas máquinas de destruição.” Realmente, é preciso abrir os olhos para Avatar, essa ode disfarçada à pulsão de morte.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Anistia X Impunidade

Anistia X Impunidade
POR SILVIO TENDLER


Ao Ministro da Defesa
Exmo. Dr. Nelson Jobim

Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O Sr. me conhece pessoalmente e lembra-se de que quando fui Secretário de Cultura de Brasília, no ano de 1996, o Sr. era Ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema Brasília um prêmio para o Filme que melhor abordasse a questão dos Direitos Humanos. Era uma preocupação comum a nossa.

Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos ? hoje somos mais de dez mil ? assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa
dos direitos humanos.

O Sr., Ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das forças armadas, condena a iniciativa de punir torturadores pelos crimes que cometeram.

Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender.

É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos o que reforça a sensação de impunidade. Ao contrário do que afirmam os defensores da impunidade dos torturadores.

O que está em juizo não é o julgamento das forças armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam. Agora pretendem proteger sua impunidade, camuflados corporativamente em nome da honra da instituição. Um pouco de história não faz mal a ninguém. Não está em questão que para consumar o golpe de 64, os chefes militares de então tiveram que expurgar das forças armadas milhares de homens entre oficiais, sub-oficiais e praças cujo único crime foi defender o regime
constitucional do país. Afastaram da vida política brasileira expressivas lideranças, cassando direitos políticos e mandatos parlamentares ou sindicais. Empurraram milhares de cidadãos, na imensa maioria jovens, para a ação clandestina que desembocou na luta armada.

De qualquer maneira os golpistas de 64 protegidos pela lei de anistia não serão anistiados pela história. Fecharam e cercaram o Congresso Nacional. Inventaram a excrescência chamada de Senador Biônico para não perder, pelo voto, o controle do Senado em plena ditadura militar.

Os chefes militares podem ficar tranqüilos que seus antecessores não irão para a cadeia pelos crimes que cometeram contra um país, contra uma geração inteira, a minha, que desaprendeu a falar e pensar em liberdade.

Nada disso está em juízo. Vinte e cinco anos depois de iniciada a transição democrática, o que está em juízo não é o processo de anistia política. Tranqüilize seus colegas militares, ministro.

O regime militar não está sendo julgado pela quebra do sistema público de saúde ou pela quebra do sistema educacional. Estamos pedindo a punição contra criminosos comuns por crimes de lesa humanidade.

Queremos o julgamento e condenação da prática de crimes hediondos. Só isso. Assusta a quem? Em nome do quê o Brasil será eternamente refém de bandidos? O que justifica acobertar crimes condenados por todos os códigos, normas e tribunais internacionais em matéria de direitos humanos?

O Sr. deve estar se perguntando o porquê do meu empenho nesta causa. Vou lhe contar. Despontei pra a vida adulta baixo a ditadura militar. Em 1964, tinha 14 anos e cresci sob o signo do medo. Sou de uma família de judeus liberais, meu pai advogado e minha mãe médica. Invoco as raízes judaicas porque meus pais eram muito marcados pelo holocausto, pelos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Tínhamos muito medo das soluções autoritárias.

Eu queria viver num país livre e tinha sentimentos de profunda repugnância a ditaduras. Meus amigos também eram assim. Participei de passeatas, diretórios estudantis e cineclubes. Queria derrubar a ditadura fazendo filmes. Acreditava que era possível. Em 1969, um companheiro de Cineclubismo seqüestrou um avião para Cuba. Não tive nada a ver com isso. Desconhecia as intenções e a organização do seqüestro.

Meu crime foi ser amigo – sim, meu crime foi o de ser amigo de um seqüestrador. Quase fui preso e morreria na tortura sem falar, não por ato de bravura, mas por absoluto desconhecimento de causa. Não pertencia a nenhuma organização revolucionária. Não sabia nada sobre o seqüestro.

Escapei dessa situação pala coragem pessoal de minha mãe que driblou os imbecis fardados que foram me prender e consegui fugir de casa nas barbas da turma do Ministério da Aeronáutica que, naquele momento, ao invés de dedicar-se a cumprir sua missão constitucional de proteger nossas fronteiras, prendiam, torturavam e matavam estudantes. Tive também a ajuda do Coronel Aviador Afrânio Aguiar que empenhou-se até a medula para que não fosse preso e massacrado na Aeronáutica. A ele dedico meu filme mais recente Utopia e Barbárie. Sem ele, dificilmente estaria contando essa história hoje aqui. Outras pessoas também me ajudaram a sair vivo dessa história mas como não tenho autorização para citá-los e estão vivos, guardo nomes e lembranças no coração.

Em 1970 fui viver no Chile por livre e espontânea vontade. Saí do Brasil legalmente com passaporte, ainda que tenha ido ao DOPS explicar por que saía do Brasil. Eles sabiam as razões pelas quais saía (como é cantado na música, "Não queria morrer de susto, bala ou vício"). Em Janeiro de 1971,do Chile, mandei uma carta para minha mãe, trazida por uma portadora, senhora de boa cepa, que fora visitar o filho no exílio em um gesto humanitário se ofereceu, ingenuamente, para trazer correspondência para os familiares dos exilados . O gesto lhe custou prisão e "maus tratos" nas dependências da aeronáutica.

Na carta pedia a minha mãe que me enviasse livros e minha máquina de escrever. A carta foi entregue em Copacabana por militares do Dói-Codi que arrombaram minha casa, arrombaram móveis a procura de metralhadora (Assim entenderam "máquina de escrever"). Minha mãe foi levada para o quartel da PE na Barão de Mesquita, onde foi humilhada e um dos "patriotas"que a conduziu assumiu de forma permanente a guarda do
relógio que entrou com ela na PE e não voltou para casa.

Amigos ocultos numa rede de gente decente ajudaram a tirar minha mãe daquela filial verde oliva do inferno. Sim ministro, havia muita gente decente nas forças armadas ou que gravitavam em torno dela e que faziam o que podiam para ajudar pessoas. A maioria, prefere, até hoje, não revelar seus gestos por medo dos que praticando atos dignos dos piores momentos da máfia intimidam e atemorizam pessoas de bem. Pior
do que o relógio foi o destino do ex-deputado Rubens Paiva que foi preso no mesmo dia e nunca mais encontrado.

Os senhores fazem muita questão mesmo de proteger os canalhas que seqüestraram e assassinaram o ex-deputado pelo crime de ter recebido correspondência pessoal de exilados no Chile? A quem interessa essa “Omertá"? Ministro, para esses crimes não há justificativa e menos justificativa para o acobertamento dos criminosos.

O que leva a chefes militares e o Ministro da Defesa a se pronunciarem contra a apuração de crimes? Tortura, estupro, morte, muitas vezes seguido de roubo, são atos políticos passíveis de anistia?

Desculpe a franqueza, mas não consigo entender. Em nome do futuro democrático do Brasil , espero que a banda podre, montada no Dragão da Maldade, não saia vitoriosa.
Os chefes militares pronunciam-se a favor do pagamento de reparações às vitimas do arbítrio como um ato indenizatório. Pagamento este feito com recursos públicos desviado de finalidades mais nobres para ressarcir prejuízos causados por canalhas que deveriam ter seus bens confiscados e pagarem com recursos próprios os crimes que cometeram. Muitas empresas que se locupletaram durante a ditadura e inclusive financiaram o aparato repressivo poderiam participar dessas indenizações.

No meu caso, ministro, posso lhe dizer que não há dinheiro que feche essa conta. Não pedi anistia nem indenização porque acho que não sou merecedor (nunca fui exilado, nunca me apresentei assim). E vivo bem com meu trabalho de cineasta há quarenta anos e professor universitário há 31. Se fosse pago com recursos dos bandidos, aceitaria de bom grado. Recursos públicos não.

Cada centavo que aceitasse, me sentiria roubando de uma criança ou de um homem ou uma mulher humildes que precisam mais desse dinheiro numa escola pública, num posto médico, do que eu. Não recrimino quem, por necessidade ou sentimento de justiça, o faça. A reparação que peço é a punição exemplar dos torturadores da minha mãe. O senhor há de concordar que não estou pedindo muito nem nada despropositado. E quando digo que penso no futuro e não no passado é porque a punição exemplar de criminosos desestimulará semelhantes práticas no futuro e terá uma função pedagógica para os que caiam em tentação de uso indevido dos poderes do Estado, que entendam que não vivemos no país da impunidade.

Justiça, peço apenas justiça.

Bom 2010 para o sr.

Atenciosamente

Silvio Tendler

P.S. Falamos de tanta coisa mas esquecemos de comentar dois crimes cometidos depois de 1979 que já não estariam cobertos pela lei de anistia: O assassinato de D. Lyda Monteiro da Silva, secretaria do Presidente da OAB e a mutilação do jornalista José Ribamar em 1980 e em 1981a bomba que explodiu no Riocentro que causou a morte de um sargento e graves ferimento no Capitão.

Imagino que enquanto advogado, o quanto lhe repugna o assassinato da secretária do Presidente da OAB e a mutilação de um jornalista. Tantos anos decorridos talvez ainda seja possível descobrir "os comunistas" responsáveis pela bomba do Riocentro, como concluiu o vexaminoso IPM instaurado na ocasião.

Por falar em comunistas, movimento que condenava a luta armada, o que dizer do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho e do desaparecimento do dirigente Davi Capistrano? Seus assassinos terão imagem, nome e sobrenome ou continuarão protegidos por este exército das sombras?