sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Réplica - a Adorno

Cultura não é coisa para ociosos, mas deixemos que o diálogo entre Antônio Cândido e Adorno dê conta de mais alguns elementos levantados há poucas postagens:

“A luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da Cultura. A distinção entre Cultura Popular e Cultura Erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de vista cultural, a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito aos direitos humanos e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”.

Afora isso, tenho a acrescentar que o vale-cultura tem pouquíssimo -- nada, de fato -- a ver com qualquer suspeita de que o trabalhador não saiba gastar seu dinheiro: ele nos diz mais é sobre o fato de que não cabe à política definir qual tipo de produção é cultura e deve, portanto, ser subsidiada pelo governo. O vale-cultura restitui ao povo seu direito de escolha sobre o investimento cultural, antes de o tomar.

Opa, a discussão neste espaço requer reflexão sobre a ervilha. Pois bem, nesta ilha um número considerável de suas poucas produções culturais são disponibilizadas ao público gratuitamente ou a preços bastante acessíveis -- a exemplo da última temporada de peças gratuitas no Teatro da UFSC ou das exposições a 2 reais no Victor Meirelles. Isso não garante público, nem o vale-cultura o garantirá. O vale-cultura só garantirá o direito e, com o tempo, de repente, o público não despossuído de seu direito inalienável poderá vir a fazer questão de fazer uso dele.

4 comentários:

  1. Antes uma pergunta: um vale cultura não é a manifestação de que se desconhece o que seja cultura? E se não cabe a política decidir o que ela seja, por que o vale?

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  2. "Cultura" é termo com diversas acepções, à semelhança da palavra "obra" (contínuo da produção intelectual de alguém, que pode ultrapassar sua própria vivência; ou um elemento mais tangenciável, um objeto da produção intelectual). Na academia nos ocupamos mais das questões abstratas e isso tem seu valor. Contudo, também é preciso perceber o valor de questões mais pragmáticas e, nesta discussão, faz-se necessário ter bem claros os objetos da lei em questão. Ora, o vale-cultura pretende estimular o acesso dos trabalhadores a "bens e serviços culturais", objetos quantificáveis, coisa simples assim: o sujeito vai poder comprar livro, assistir a uma peça de teatro, a um espetáculo de dança, visitar museu...
    O papel do governo frente à cultura (aqui sim, em todas as suas acepções) é de estímulo e fomento, sem dúvida, e estes se fazem através de instrumentos mais ou menos falíveis. O problema no campo do fomento são seus veículos, quais sejam a renúncia fiscal e os editais. Aquela tem funcionado através de dispositivos que permitem certos absurdos -- como, por exemplo, que empresas definam as iniciativas culturais que receberão o incentivo -- enquanto estas recebem críticas com relação à arbitrariedade de sua formulação. O vale-cultura é um outro instrumento, um que inaugura uma maneira nova de pensar a atuação do governo na área cultural: ele é, à um só tempo, instrumento de estímulo e de fomento e, mais importante, é renúncia fiscal sem fiscalização sobre o "bom gosto" das opções culturais do público.

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  3. Olha o que eu encontrei por aqui...
    Muito bom, Ju, vale-cultura não garante acesso.
    Se eu tivesse visto isso antes teria usado esse teu texto na minha pós.
    Muito boa idéia do blog, parabéns!!!

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  4. Mas se o governo não deve decidir o que é cultura, nem as empresas, então porque o governo vai dar um vale-cultura? Não é melhor dar dinheiro e decidir que o cidadão decida se a cultura que ele quer é um copo de skol ou um cd do mozart?

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