segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Fado Subtropical

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Esses versos servem de refrão para a música Fado Tropical, parte da trilha sonora da peça Calabar: o elogio da traição, escrita por Chico Buarque e Ruy Guerra. A peça é ambientada por volta de 1632, época do Brasil colonial.

Quero ler a atual Florianópolis com a incidência desses versos, ou com a incidência do que eles sugerem. Justifica minha intenção a similaridade situacional: na época retratada na música de Chico, ainda não havia a noção de povo brasileiro, bem como agora não há a noção de povo florianopolitano. Ainda assim havia um projeto de nação, assim como agora há um projeto de cidade, ou melhor, um conjunto de intenções, o que se idealiza para o local que se habita. Em ambos os casos, como é bem retratado pela canção, essa situação de pertencer e amar uma terra sem contudo identificar-se com ela gera experiências esquizofrênicas.

Cresce a heterogeneidade da população que aqui reside e os “nativos” (não os tupi-guaranis, os açorianos, é claro) são cada vez mais marginalizados, forçados a permanecerem em seus redutos nas freguesias da ilha, vez por outra visitados, expostos como exemplares de nativos, como excertos da original , da autêntica Florianópolis.

Concentram-se na ilha desejos que são, por fim, esquizofrênicos: o de que ela seja reduto paradisíaco, refúgio da civilização, mas que também abrigue as necessidades múltiplas, metropolitanas, cosmopolitas dos que aqui aportam. Assim, o movimento que vem de variados centros para estas margens busca quase que um refúgio rural—e encontra. Mas a placa estrangeira buzina para a demora na partida ao sinal verde e, honestamente, é um absurdo não haver sequer um hortifruti 24hs. A cidade está no século passado. E a gente está de acordo.

Um comentário:

  1. "...expostos como exemplares de nativos, como excertos da original, da autêntica Florianópolis."

    Senti arrepios nostálgicos mesclados a uma atmosfera de negligência coletiva.


    Sensacional!

    Bjos querida!

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